Cultura & Lazer Titulo
Plateia em cena
Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
13/03/2011 | 07:27
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Já se passou o tempo em que o processo de criação ficava restrito ao grupo de teatro. Segundo Cibele Forjaz, diretora da Companhia Livre, a realidade é outra. "Cada vez mais coletivos cedem espaço para a plateia interagir", afirma a atriz. "O Brasil segue tendência para processos abertos", reforça.

Os benefícios dessa abertura são muitos, a começar pela multiplicidade de visões sobre o mesmo tema. "Enriquece", pontua Cibele. E são bilaterais. Os apaixonados pelo teatro, por sua vez, podem ter contato com toda construção do espetáculo. "Desde o começo, criamos afã com o público, que tem participação ativa na elaboração da peça, tanto espacialmente quanto conceitualmente", explica a diretora.

É neste sentido que a Companhia Livre abrirá, amanhã, processo de criação de espetáculo inédito (provisoriamente chamado de "Édipo & Anti-Édipo - Uma Tragédia Afrobrasileira") para todos: profissionais e alunos de teatro, estudiosos de outras áreas e até curiosos. Basta manifestar interesse pela internet (estudo@cialivredeteatro.com.br).

PROGRAMAÇÃO
A sede do grupo, a Casa Livre, situada em São Paulo, será espaço para o estudo que tem duração de quatro meses, até 1º de julho. Gratuita, a programação abarca diferentes atividades, como aulas, palestras, leituras dramáticas, ensaios e mostra de filmes. "É rica e complexa a formação do espetáculo. Não é um estudo pesado, difícil", compara.

O coletivo entrará em diálogo com o público já com certo amadurecimento. Foram oito meses de estudo multidisciplinar até aqui. "O teatro tem no centro o homem e a sua relação com a sociedade. Do processo, não participam apenas pensadores de teatro, mas estudiosos de história, antropologia, literatura, cinema", afirma. A agenda será aberta amanhã, às 14h, com aula que integra curso sobre a relação África/Brasil. Mais tarde, às 20h, haverá leitura dramática de "Édipo Rei", de Sófocles.

"Interessante para quem acompanhar o trabalho são os experimentos cênicos. Tudo o que estudamos é traduzido para a linguagem do teatro", sugere Cibele. As aulas públicas, sempre oferecidas às segundas-feiras, serão convertidas no que chamam de 'devorações cênicas', que poderão ser assistidas também nas segundas, em revezamento com as leituras dramáticas.

TEMÁTICA
Toda a programação visa discutir sobre a mestiçagem, focada na relação África/Brasil, e a construção da identidade. "Temos uma origem mestiça. Muitas culturas estão na nossa base. Só sabemos da cultura europeia branca. Nossa origem africana, assim como a indígena, é pouco conhecida por todos", justifica a diretora da companhia, que trabalha com temas ligados à formação cultural brasileira desde 2004.

Para a dramaturgia de base será feita uma releitura do mito do Édipo, cujo enredo é construído a partir de uma sentença. Laios, rei de Tebas, recebe a seguinte maldição: o primeiro filho o matará e, em seguida, deve se casar com a própria mãe.

Já adulto, criado - sem saber - por pais adotivos em Corinto, Édipo tem conhecimento da praga e tenta escapar do destino, mas se aproxima da consumação quando viaja a Tebas, cidade onde vivem os pais biológicos.

"Ele desconhece a sua origem, motivo pelo qual mata o próprio pai. Édipos somos todos nós que não conhecemos a nossa origem. A peste é a nossa desigualdade", compara Cibele Forjaz. O espetáculo propõe, portanto, revisão crítica na construção de nosso passado histórico.

Segundo o ator Edgar Castro, mestre da ELT (Escola Livre de Teatro) de Santo André, que participa do elenco, o País enfrenta uma crise relacionada ao termo identidade. "Existe uma multiplicidade de feições, corpos e vozes. O Brasil é um espaço híbrido. Falar em identidade não nos satisfaz nesse momento", analisa.

Para ele, essencial é compreender a 'nossa natureza', expressão com que se sente mais à vontade para falar. "É preciso entender a nossa natureza enquanto nação. Ao debater a relação entre a África e o Brasil devemos responder algumas inquietações".

A expectativa da interação com o público é uma para Edgar: "se conseguirmos estabelecer um diálogo que torne a realidade brasileira mais compreensível, menos caótica e desigual, já será um ganho enorme".

Com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Cultural - voltado a grupos com trabalho de pesquisa continuada - o projeto prevê dois anos de trabalho, sendo um dedicado à pesquisa e outro destinado à construção dramatúrgica e cênica para temporada de montagem inédita, que tem estreia prevista para abril do próximo ano.

África-Brasil / Mestiçagem - Estudo público. Na Casa Livre - Rua Pirineus, 107, São Paulo. Tel.: 3257-6652/ 6430-9916. www.cialivredeteatro.com.br. Toda programação é gratuita.




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