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Universo de Nélson Rodrigues em três visoes diferentes
Do Diário do Grande ABC
02/03/2000 | 15:57
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Mais do que ser tema de ensaios e teses acadêmicas, receber elogios e premiaçoes, um autor teatral deseja ver seus textos no palco. No momento, Nélson Rodrigues nao poderia queixar-se do teatro paulistano: três produçoes profissionais de suas peças estao em cartaz na cidade. Três espetáculos de qualidade.

"A Serpente" está em temporada no Teatro da Aliança Francesa e integra o Festival de Verao do premiado Grupo Tapa, o que significa diversidade de opçoes de horários e preços de ingresso. No histórico Teatro de Arena, o público pode ver "Bonitinha, mas Ordinária", dirigida por Marco Antônio Braz, um diretor que há anos vem pesquisando o universo do autor e já levou ao palco "Perdoa-me por me Traíres" e "Boca de Ouro".

E Marcelo Drummond vive o bicheiro nascido no bairro de Madureira, subúrbio do Rio, personagem central de "Boca de Ouro" na montagem do Teatro Oficina, brilhantemente dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Juntos, os três espetáculos oferecem ao público uma excelente oportunidade de conhecer melhor a obra do dramaturgo.

Ultima peça escrita por Nélson Rodrigues, "A Serpente" sempre foi vista como um texto menos importante na extensa criaçao do dramaturgo. A montagem do Tapa pode provocar um revisao desse ponto de vista. No palco, Denise Weinberg interpreta a mulher bem casada que divide o apartamento com a irma vivida por Clara Carvalho, também casada, porém insatisfeita ao lado do marido impotente. Temendo o suicídio da irma, a personagem vivida por Denise decide emprestar o marido por uma noite.

Desejo - A partir daí, Nélson explora em profundidade sentimentos como amor, ciúme, posse e, sobretudo, o desejo. Sobre esse último, o diretor Eduardo Tolentino centrou sua concepçao no desejo nesse espetáculo cujo cenário, nao por mera coincidência, resume-se a uma cama. A encenaçao deixa claro que o desejo detona todas as açoes e é também motor de cada palavra e cada gesto em cena.

"Boca de Ouro", o bicheiro que os jornais chamam de "crápula de Madureira", nasceu numa pia de gafieira, onde foi abandonado pela mae. Pelo menos é o que diz a lenda, uma vez que da forma como Nélson construiu a peça, nao é possível saber a verdade sobre o personagem. A açao tem início com a morte do bicheiro e, a partir daí, sua história é contada a um repórter pela ex-amante.

Na primeira versao, abandonada e ressentida, ela constrói o perfil de um assassino frio e cruel. Arrepende-se ao saber de sua morte em numa nova versao, empresta ao bicheiro uma pinta de lorde. Finalmente, pressionada pelo atual marido, descreve o bicheiro como um covarde. A cena de nascimento do deus pagao Boca e o efeito simples e bonito na troca dos dentes naturais do bicheiro pela dentadura de ouro que lhe dá o apelido estao entre as muitas qualidades do espetáculo.

Quem teme espetáculos interativos pode ficar tranqüilo. Nao é desta montagem de "Boca de Ouro", na qual o texto foi mantido na íntegra, com seus diálogos contundentes e sempre bem-humorados. Em "Bonitinha", por exemplo, só o diálogo inicial entre os personagens Peixoto e Edgar, uma alucinante conversa entre dois bêbados rasgando a máscara de hipocrisia, vale o ingresso.

"Bonitinha" é uma peça única na carreira de Nélson. Com habilidade de mestre, ele coloca um personagem diante de uma tentaçao quase irresistível. E mostra toda a extensao do conflito que pode ser de todo homem na mesma situaçao.




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