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Família vive do 'garimpo' em Mauá
Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC
26/07/2003 | 18:40
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São pouco mais de 3h30 quando Raimundo Lima Gomes, 47 anos, sai de casa, na favela do Oratório, em Mauá, rumo ao trabalho. Mineiro, analfabeto, casado e pai de nove filhos (três vivos), segue pelas vias que dão acesso à avenida dos Estados de bicicleta. Em 30 minutos, chega ao garimpo – terreno escondido atrás do clube da Phillips, margeado pelo rio Tamanduateí – onde há muitos anos funcionou uma unidade da Gerdau.

É da terra deste terreno – que já atraiu cerca de 80 pessoas – que Gomes tira o sustento da família desde 1997, quando trocou a função de catador de ferro-velho para pegar ferro soterrado. Nas terras cavocadas diariamente pelo garimpeiro, estão escondidas toneladas de ferro – resíduo da fabricação da Gerdau. Hoje, o terreno pertence à Petrobras.

Apenas três horas mais tarde é que Gomes passa a ter companhia no trabalho. Também de bicicleta, chegam a mulher, Maria, 44 anos, e o filho Eduardo, 20. A família permanece imersa em poços de terra de mais de dois metros até as 14h.

Como eles, outros garimpeiros buscam naquela mesma terra fonte de renda. “Mas chegam, ficam um ou dois dias e não agüentam. Nunca mais voltam”, diz Gomes, que com o dinheiro do ferro conseguiu erguer uma casa de dez cômodos. “Coisa que a gente nunca conseguiu quando ele era empregado”, falou a esposa. Ele foi encarregado na Matarazzo, Phillips e Volkswagen – ganhava R$ 360 por mês.

Quietos e ligeiros, os três conseguem juntar 80 sacos (de até 50 kg) de ferro por dia. Gomes não revela quanto o comprador – ferro-velho de Mauá que tem acerto de exclusividade com sua família – paga pelo quilo. Entre os outros garimpeiros fala-se em R$ 0,08 e R$ 0,10.

O filho Eduardo, único que ainda vive com Gomes, parou de estudar na 7ª série. Em agosto, Gomes e Maria serão avós pela primeira vez.

De volta à casa construída com mais de 5 mil blocos, pais e filho esgotam as forças no banho. “A terra fica grudada no corpo da gente”, diz Gomes. Maria ainda precisa de ânimo para encarar o fogão – no garimpo comeram apenas um sanduíche cada um.

Gomes sempre dorme antes das 20h. Ao chegar em casa – depois de cinco quilômetros de bicicleta, a maior parte de subidas – o garimpeiro senta na soleira da porta, fuma alguns cigarros e planeja como investirá o próximo pagamento — sem esquecer, no entanto, de separar o montante gasto com o tratamento de bronquite da mulher na rede particular de saúde.

Ele afirma fazer R$ 2 mil por mês, mas apenas no dia em que a reportagem acompanhou a família a renda foi de R$ 600.

De banho tomado, os garimpeiros do Grande ABC parecem até outras pessoas. Mas a expressão de cansaço confirma que são as mesmas. Apenas Eduardo reúne forças para sair, rever amigos e namorar. Ele sai da casa perfumado e vestido com roupas de marca. Neste dia, sua camiseta era da Cavalera.




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