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Julgamento de um velho safado
Alessandro Soares
Da Redaçao
28/10/2000 | 18:52
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Dificilmente alguém trataria uma viúva deste modo: "Bill está morto. Ele nao pode chupar sua ... mas eu posso". O escritor Charles Bukowski (1920-1994) assim tratou Ruth, a viúva de seu amigo William Wantling, em 1974. Escritor frustrado e professor universitário norte-americano, Wantling bebeu até morrer, supostamente após tomar conhecimento de uma descriçao grosseira e degradante de sua personalidade na coluna Notas de um Velho Safado, que Bukowski mantinha num jornal alternativo de Los Angeles, o LA Free Press.

Bukowski foi um cowboy fora-da-lei na literatura norte-americana e seu gatilho era a tecla da máquina de escrever. De sua boca saía nao só o vômito provocado por litros de cerveja ingeridos dia e noite, como também palavras ríspidas como as que Ruth ouviu. Mas também saíam versos: "Do seu melhor/ eu gosto mais do que você pensa/ os outros nao contam/ a nao ser por terem dedos e cabeças/ e alguns deles olhos/ e a maioria deles pernas/ e todos eles sonhos bons e ruins/ e um caminho a seguir".

Esse "velho safado" narrou uma América marginal e cética em obras como Cartas na Rua e viveu miserável a maior parte da vida até conseguir algum sucesso a partir dos anos 70. O jornalista inglês Howard Sounes pesquisou vários documentos e fez mais de 100 entrevistas com poetas, escritores, editores, artistas e mulheres que viveram com o escritor ou conheceram-no para publicar a biografia Charles Bukowski, Vida e Loucuras de um Velho Safado (Conrad, 344 págs., R$ 34).

  Bukowski foi contemporâneo dos escritores da geraçao beatnik, ou beat, mas nao formava o mesmo time. Os beatniks bradavam contra o puritanismo dos Estados Unidos nos anos 50. Enquanto eles eram baseados em Sao Francisco, oriundos da classe média, viviam essencialmente em grupo e eram homossexuais em sua maioria, Bukowski morava só, em Los Angeles, e, se nao amou muitas mulheres, amou muito suas mulheres, como descreve no livro Mulheres.

  Bukowski afirmava que a maior parte do que escrevia era o que havia acontecido em sua vida, ou seja, segundo seus cálculos, 93% era autobiográfico e o restante, sua vida "melhorada".

O livro de Sounes narra estas histórias. Bukowski nasceu Heinrich Karl Bukowski, na Alemanha, onde viviam seus pais, e de onde imigraram em 1923 para os Estados Unidos, fugindo da crise econômica.

A recuperaçao que a Alemanha alcançou com Adolf Hitler provocou um flerte do escritor com o nazismo, em virtude da admiraçao de seus pais pelo ditador. Mas como ele sempre optou por ser anarquista, isso fica relegado no livro.

Desde pequeno, sempre foi só, apanhava do pai e odiava a mae conivente com essa situaçao. Aos 13 anos, teve acnes que explodiram por toda a pele e lhe deram uma aparência purulenta para o resto da vida.

Empregado como funcionário do correio, trabalhava internamente. Fora do emprego, perdia seu salário em corridas de cavalos. Nunca parou de escrever o que observava ou vivia. Dizia que Ernest Hemingway era um grande escritor, mas nao era um tonel de risos. E foi o humor sarcástico das desventuras de seu alter-ego Henry Chinaski como amante e funcionário do correio em Cartas na Rua, seu primeiro romance em prosa, que lhe garantiu a senha para o mundo marginal. Também foi o mote do filme Barfly - Condenados pelo Vício (1987), com roteiro do próprio Bukowski e direçao de Barbet Schroeder.

Bukowski dizia que nem ele próprio aparentava estar tao acabado quanto o Chinaski interpretado por Mickey Rourke. Ao contrário, Faye Dunaway como Wanda, ou a primeira paixao de Bukowski, Jane Baker, esteve deliciosamente degradante.

Barfly nao emplacou, mas ajudou a popularizar o autor, por sua franqueza, cinismo e maneira de tratar a realidade sem dar a seus personagens o benefício da dúvida. Howard Sounes fez diferente em seu livro: mostra as facetas de Bukowski e deixa o leitor livre para julgá-lo.




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