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Inglês 'atropela' a Língua Portuguesa
James Capelli
Do Diário do Grande ABC
05/05/2001 | 17:12
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  Self-service, drive-thru e delivery são termos estrangeiros tão usados que praticamente dispensam versões em português. Em agosto do ano passado, alegando preocupação com uma possível descaracterização da nossa língua pátria, o deputado federal Aldo Rebelo conseguiu aprovar, na Comissão Educacional da Câmara dos Deputados, um projeto de lei que proíbe o uso de expressões estrangeiras no Brasil. Falta, agora, a comissão encaminhá-lo para votação.

Enquanto isso, o estrangeirismo toma as ruas das grandes cidades brasileiras. “Rei das Rodas é muito careta. Pensamos em um nome americanizado para chamar mais atenção”, explicou Reginaldo Losano, proprietário da loja King Wheel’s (apesar de a tradução correta desse termo seria “Wheel’s King” e não o nome da loja), em São Bernardo.

Os comportamentos lingüísticos variam de acordo com quem está no poder, explicou o professor de história Mauro Cukierkorn. “Até a Segunda Guerra, o predomínio era do francês. Depois, passou a ser norte-americano. Estão fazendo conosco a mesma coisa que os portugueses fizeram com os índios: dominação por meio do idioma”, disse.

Mas, segundo o professor, o uso dos estrangeirismos é também um reflexo de mudanças no comportamento dos brasileiros. “Quando as pessoas passam a usar termos em inglês, elas também estão absorvendo o comportamento do outro país. Ir ao drive-thru para comer hambúrguer no carro ou pedir fast-food pelo sistema delivery são formas norte-americanas de comportamento alimentar.” O professor acredita que nos últimos dez anos a dominação norte-americana se intensificou. “A última década foi a de maior hegemonia dos EUA, devido ao fim do socialismo e à simpatia do presidente Bill Clinton.”

O balconista Rogério Marcos dos Santos, que trabalha num bar-restaurante na Vila do Tanque, em São Bernardo, confirmou a tese do historiador de forma simples. “As pessoas querem comer pelo sistema self-service. Há dez anos, o prato preferido da freguesia era o comercial: arroz, feijão, bife e salada, servidos em pequenas travessas. Hoje, ninguém quer saber do comercial. O jeito americano matou o jeito brasileiro de comer”, afirmou.

O professor de português Pasquale Cipro Neto, que já fez propaganda para uma grande rede de lanchonetes norte-americana, confirma a mudança de comportamento. Durante uma aula, perguntou aos alunos adolescentes se conheciam o prato comercial. “Eles não souberam responder”, disse.

Pasquale, porém, é contra o projeto do deputado Aldo Rebelo. “O projeto é infeliz porque apresenta coisas que já estão na Constituição, além de ignorar que a língua é viva. Ela se modifica e acompanha os fenômenos culturais. Várias palavras consideradas tipicamente brasileiras são na verdade oriundas de outros idiomas e se incorporaram ao nosso vocabulário”, disse.

Para o professor, o problema é o uso tolo do estrangeirismo, quando apenas se substitui o português pelo inglês. “Que acontece quando o sujeito expressa a admiração pelo modo de falar do país mais desenvolvido.” Um exemplo disso era a faixa pregada na frente de uma loja em Santo André anunciando sua liqüidação: “Sale 50% off”. “O intuito da loja é atender a uma clientela elitizada, que entende o que está escrito na faixa”, justificou o vendedor Ronaldo Coral.




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