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As idéias de Renato Russo em verbetes
Alessandro Soares
Da Redaçao
20/02/2000 | 18:13
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Ele nao queria ser guru de ninguém, mas suas idéias e indignaçoes continuam fazendo a cabeça de geraçoes. Do seu jeito polêmico e idiossincrático, Renato Russo delimitou uma fronteira própria no rock brasileiro, sensível à flor da pele, até morrer em 11 de outubro de 1996 aos 36 anos. Seus pensamentos estao reunidos agora no livro Renato Russo de A a Z (Letra Livre, 308 páginas, R$ 28,50), com coordenaçao editorial da jornalista carioca Simone Assad.

Nao é uma obra biográfica nem definitiva sobre o melhor letrista que já surgiu no rock brasileiro, mas tem seus méritos. Reúne em verbetes temáticos, como Aids, solidao, rock, drogas, religiao, sexo, governo, sucesso, alcoolismo, espiritualidade etc, suas idéias e pensamentos expressos desde os tempos da primeira banda em Brasília, Aborto Elétrico, até os anos 80, quando eletrizava corpos e mentes com o Legiao Urbana, ao lado de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá.

O lançamento traz de volta seu verbo à cena, embora Renato nao gostasse de repetiçoes. "Tenho pavor de me repetir. Nao estou a fim de falar de enchentes, Aids, governo. Quero cantar cançoes de amor. Já desisti de fazer músicas para salvar o mundo. Eduardo e Mônica estao divorciados. (1988)". Ele nao poupava nada nem ninguém e é desvendado em seus juízos múltiplos, gostos pessoais, hábitos, utopias, anseios existenciais e antipatias. Tudo sem esconder paixoes.

O livro tem declaraçoes de notória seriedade e algumas expressadas na mais pura irreverência. Renato Russo era assim, para o bem e para o mal. Existem verbetes, como na letra Z, que sofreram uma forçada para entrar. Na falta de algo melhor, serviu Zulu: Renato mencionou em uma entrevista, em 1995, que, quando começou a produzir e gravar sozinho, queria fazer um disco em zulu (idioma africano).

Sao 453 verbetes, ao todo, que dao um quadro referencial do pensamento do artista. A pesquisa foi feita com base em declaraçoes dadas em centenas de entrevistas, reportagens, artigos, livros, especiais de TV e rádio. Ao fim da obra, uma compilaçao de mais de 140 bases de dados na Internet, levantada pelos editores, com tudo o que existe na rede sobre o Legiao.

Carência de ídolos - A música brasileira e o rock nacional andam carentes de polêmica e de novos ídolos com novas idéias. Tirando Joao Gilberto e o sambalelê Vaia de Bêbado nao Vale e a cruzada antigravadora de Lobao, com seu CD A Vida é Doce, o marasmo musical estava pedindo a volta de Renato Russo. Pena que o livro nao venha acompanhado de melodia. Mas vale lembrar o poeta e seu olhar crítico, que fizeram a cabeça de toda uma geraçao, junto com Cazuza, nos anos 80 e 90.

Cabeça de poeta

Aids - "O homossexualismo mexia muito com minha cabeça: Poxa, se nao é errado, por que existe Aids? Até eu colocar na minha cabeça que Aids nao tem nada a ver com Deus." (1990)

Crítica musical -"F...-se a imprensa! Sou formado em Jornalismo e sei como funciona essa corja. O Caetano lança um disco e ninguém sabe opinar." (1996)

Drogas - "Nao quero mais ficar usando drogas a ponto de perder o fio da meada. É que nem doce: pode ser bom comer um doce de vez em quando, mas o excesso é que te faz perder a cabeça (...). Teve fase que eu precisei tomar droga para funcionar. Agora, quero parar e ficar com os pés no chao." (1987)

Deus - "Existe a idéia de Deus, independentemente de Deus existir ou nao, que está dentro do espírito humano (...). Seria pretensao de minha parte tentar explicar isso. Mas há coisas que foram ditas e coisas que sei de experiência. Uma delas é: se você ajudar alguém, sinceramente mesmo, você se sente muito bem." (1989)

Cazuza - "Eu tenho uma superligaçao com o Cazuza. A gente nasceu na mesma cidade, somos do mesmo signo e quase da mesma idade (Cazuza era um ano mais velho), e temos o mesmo trabalho - somos letristas e cantamos - e nós dois somos loucos. Eu nao apareço tanto, mas sou muito parecido com o Cazuza." (1989)

Espiritualidade - "A questao mais política do momento é a espiritual. Se você resolver esse lado, se acreditar que bondade é ter coragem, que disciplina é liberdade, e compaixao é fortaleza, todo o resto vai se resolver." (1990)

Guru - "Tem gente que me encara como um guru. Na primeira frase de Será eu digo: `Tire suas maos de mim, eu nao pertenço a você'. E no mesmo LP tem: `É só você que deve decidir o que fazer para tentar ser feliz'. Entao, meu filho, nao tem essa de guru, sacou? Na sociedade, existe uma carência de mentores (...). É difícil hoje em dia: você só vê gente roubando, cada um por si." (1989)

Identidade sexual - "Ter uma identidade gay, para mim, é uma questao política. Uma vez, eu fui com um namorado numa festa gay e - é gozado -, apesar de estar namorando comigo, ele nao tinha essa identidade. Ele chegava para mim, dizendo: `Nossa, Renato, quanto viado!'. Eu fiquei dando risada, porque ele nao se achava gay, nem nada." (1996)

Sexo - "O ato sexual nao tem nada a ver com a sua opçao. Tanto é que eu tive um filho e namorei mulheres. Eu nao quero citar nomes, mas tive um caso tórrido com uma atriz de cinema e TV. Tem homem que tem uma dificuldade brutal. Comigo nao, eu me excito." (1995)




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