Setecidades Titulo
Erro de gestão tem culpa
em enchentes, diz professor
André Vieira
Do Diário do Grande ABC
12/02/2011 | 07:58
Compartilhar notícia


O problema das enchentes nas temporadas de verão não será resolvido em curto prazo e nem há horizonte que minimize as cheias nas cidades enquanto os municípios não tomarem as rédeas e investirem em obras de microdrenagem.

O modelo adotado pela maioria das prefeituras, de esperar por intervenções de macrodrenagem, como piscinões, que se repete no Grande ABC, é o erro de gestão que tem feito com que a cada ano a tragédia aumente.

Para o mestre e doutor em Estruturas Ambientais Urbanas pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) Gilson Lameira, a situação já é de colapso.

Antes até aceito por parte da população, que enxergava no equipamento, grandioso, uma forma eficaz de terminar com as inundações, o piscinão confere hoje pouca credibilidade, além de ser um vizinho indesejável.

Segundo Lameira, a maioria dos reservatórios não está posicionada nos locais corretos para conter as águas das chuvas - e dificilmente estará no futuro, pois as cidades, cada vez mais ocupadas, não têm espaço disponível.

Além disso, nem todos juntos têm capacidade suficiente para segurar os temporais. O Plano de Macrodrenagem da Bacia do Tamanduateí, de 1998, previa 46 piscinões no Grande ABC. Até hoje, 19 saíram do papel.

Para o professor, o piscinão, vendido como solução, é hoje uma "panela de esgoto", embora contribua para a solução das enchentes.

Por esse motivo, Lameira não concorda com o discurso das autoridades de que o reservatório do Jaboticabal, para 900 mil metros cúbicos, será o maior instrumento para brecar as enchentes na região e se vale de exemplo no mesmo quintal.

"O piscinão do Capuava, perto do Polo Petroquímico, em Mauá, é tão grande como será o Jaboticabal (que será construído na tríplice divisa entre São Bernardo, São Caetano e Capital), está bem localizado, mas não é suficiente."

No Grande ABC, como na região metropolitana de São Paulo, as áreas de várzea, que deveriam ser reservadas para o extravasamento de rios e córregos em períodos de chuva, foram convertidos em bairros, com muita gente morando.

Soma-se a esse problema de urbanização o fato de as cidades terem perdido grande parte do poder de permeabilidade. Sem canais para absorção, a água da chuva corre mais que carro pelas avenidas e, em grande quantidade, enche.

A forma de diminuir as inundações de grandes proporções, segundo Lameira, é investir em obras de microdrenagem em áreas altas e de encostas, como adaptar praças para receber as águas pluviais em tanques subterrâneos.

A dificuldade de pôr em prática os projetos é, sobretudo, financeira. Embora mais grandiosas, obras de macrodrenagem exigem investimento menor e manutenção mecanizada, que pode ser feita em intervalos longos.

Já as intervenções de microdrenagem precisam ser realizadas em grande quantidade, logo o investimento é mais vultuoso, e necessitam de manutenção mais constante, em parte manual, como limpeza e pequenos consertos.

O Grande ABC, segundo o professor, dispõe de canal que pode facilitar a obtenção de recursos junto ao governo federal, que é o Consórcio Intermunicipal, "mas é preciso uma liderança." SC900,115

Ocupar por interesse imobiliário é hábito antigo

Não é de hoje, com ou sem planejamento urbano, que as terras que fazem limites com rios e córregos são assediadas pelo homem, interessado no potencial imobiliário, e muito lucrativo, da ocupação das várzeas.

"A principal motivação sempre foi imobiliária, desde os registros da segunda metade do século 19. Ou seja, olhava-se para o rio, e dizia: tem muita terra aí que eu posso ocupar", afirmou Gilson Lameira.

O pioneirismo de uma obra de drenagem urbana de São Paulo que se tem notícia, segundo o professor, é de um curso d'água conhecido pelos índios como rio de muitas voltas - o que hoje é para nós o Tamanduateí.

"A primeira intervenção urbana conhecida de São Paulo, em 1848, foi a retificação das sete voltas. O Rio Tamanduatéi passa pelo Parque Dom Pedro (na Capital) e, bem abaixo do Pátio do Colégio, ele fazia um meandro com sete voltas. Um banco português fez a obra (acabou com as voltas, deixando o curso em linha reta) e, com isso, abriu mais espaço para o desenvolvimento da cidade", contou.

Como parte de pagamento pela obra, a instituição financeira ficou com um pedaço das terras e o município de São Paulo ganhou mais terreno para expandir sua região central.

Analisando as enchentes do passado, o professor Lameira observou também que o número de mortes por afogamento em áreas alagadas era menor do que hoje.

Uma das seis mortes contabilizadas em Mauá em decorrência das chuvas de verão deste ano, por exemplo, é de uma senhora de 63 anos que morreu afogada dentro da própria casa, no dia 18.

Nesta temporada, o Grande ABC já registrou enchentes consideradas de grande impacto e destruição. Segundo Lameira, novos episódios ainda podem ocorrer. Em janeiro, a região recebeu o volume de 464 milímetros de chuva - muito além da média de 248 milímetros.

Professor tem tese de doutorado sobre enchentes

Arquiteto formado pela USP (Universidade de São Paulo), o professor Gilson Lameira realizou tese de doutorado sobre o problema das enchentes. O trabalho teve início em 1998 e foi concluído em 2004.

O interesse pelo assunto e a motivação de aprofundar as pesquisas vieram da prática em gestão de infraestrutura urbana, após experiência como secretário de Obras e Serviços Públicos de Santo André entre 1990 e 1992.

"Essa era uma época difícil, 1991 foi um ano escandaloso (de chuvas), e comecei a desenvolver a percepção de que a gestão precisava mudar, pois as explicações que eu via e lia não eram suficientes", afirmou.

IMPRENSA
Uma parte da tese foi desenvolvida em pesquisas nos arquivos do Diário. A partir da compilação de reportagens desde os tempos de News Seller, em 1958, até edições do Diário de 2002, Lameira desenvolveu um gráfico que mostra o aumento, ao longo das décadas, da incidência de enchentes.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;