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'OPasquim21' repete a velha fórmula
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
23/02/2002 | 17:19
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  A história se repete como farsa, já dizia o velho Karl Marx, citado logo no primeiro parágrafo do editorial do número de estréia do OPasquim21 – a primeira reencarnação, no novo milênio, do irreverente tablóide que sacudiu a imprensa brasileira nos anos 70 e de fato atuou como um dos raros canais de contestação da ditadura militar (sem dúvida, o mais ativo e de maior repercussão no país), com seus 1 milhão de exemplares semanais.

Ziraldo, hoje um septuagenário, jura que “este jornal não pretende ser o renascimento do velho e heróico Pasquim, ao qual servi com a alma inteira”. De fato, ele não é mais tablóide, agora é um jornalão de 36 páginas, nas bancas desde a última terça-feira. E vale os R$ 2,90 que custa – até para conferir se ele terá cacife para mais uma vez fazer história ou ficará no nível da farsa mesmo. Afinal, lá estão ótimos cartuns – como o da modelo nua explicando sua fantasia, na avenida, para o repórter de TV, ou do soldado americano se apresentando a um árabe muito especial.

Várias das figuras atuais já freqüentavam o Pasca nos anos 70. Nomes como Fausto Wolff, Luís Fernando Veríssimo, Newton Carlos, o próprio Ziraldo e, a meu ver, o melhor jornalista cultural da atualidade, Sérgio Augusto. Mas tem gente nova muito boa, como Emir Sader.

Comparece igualmente o espírito de resistência e combatividade, expresso no manifesto de Veríssimo, na página 3: “Queremos deixar clara nossa posição, fato inédito na imprensa nacional. Somos a favor do contrário de tudo que está aí. Os detalhes a gente vê depois”.

Há ainda os perfis dos candidatos, a boa reportagem sobre o Maranhão de Roseana, por sinal destaque da capa ornada com um sóbrio biquíni de bolinhas e um vasto bigode; a entrevista com o combativo lingüista norte-americano Noam Chomsky, feita por Fausto Wolff e Ziraldo no Fórum Social Mundial de Porto Alegre; e a extensa entrevista com dona Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Criança da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).

A questão é que o heróico Pasquim dos anos 70 era feito no calor da luta contra a ditadura, com riscos reais para seus jornalistas. Toda a redação chegou a ser presa, o jornal foi recolhido algumas vezes – e os riscos de desaparecimento súbito eram reais e perigosamente possíveis. Hoje, este risco simplesmente não existe. E aí está o maior problema do OPasquim21: o discurso em todas as suas 36 páginas é de pau puro no governo e no saco de pancadas preferido desde os anos 70, a Rede Globo. E rosas para os queridinhos, sobretudo os mineiros como José Aparecido de Oliveira (um amor ziraldiano desde Caratinga, parece).

E os tempos são outros. Não tenho procuração para defender ninguém, mas paulada sistemática fica muito previsível. E não há nada que desestimule mais o leitor do que uma leitura previsível. A turma do Pasquim age como se vivêssemos em plena ditadura, AI-5 etc. etc. Atitudes como as de Tarso de Castro – um incrível combatente da primeira hora no Pasquim, ao lado de Millôr, Ziraldo, Jaguar, o tímido, mas genial, Fortuna – e daquela patota nos anos 70 são simplesmente irrepetíveis porque são outras as condições históricas, políticas, econômicas e sociais.

Reclama-se muito, sobretudo em conversas de jornalistas, das posições definidas dos jornais brasileiros. Pois o OPasquim21 repete a fórmula e o discurso velho de 30 anos. Seria muito mais realista tentar pensar as alternativas para a esquerda sem União Soviética, sem Muro de Berlim, e com globalização (e olhem que já faz mais de dez anos que a URSS e o muro ruíram).

É muito mais atual, por exemplo, a revista Praga, editada pela Boitempo. São ensaios de tom acadêmico e teoricamente consistentes, leitura para poucos infelizmente, mas que procuram pensar alternativas programáticas para a esquerda a partir da realidade que nos cerca. Melhor ouvir hoje nomes como Paulo Arantes e José Luís Fiori, do que ver Ziraldo e outros repetindo pela enésima vez slogans envelhecidos em décadas de imobilismo dos neurônios.

A gente abre o OPasquim21 e em vários momentos parece estar relendo exemplares do Pasca dos anos 70. O pau na Globo está lá, a exaltação indiscriminada e sem fundamento de figuras como Zé Aparecido permanece “imexida”. É fácil baixar o pau no BBB ou no Casa dos Artistas – é curioso, pouco se fala do Casa dos Artistas e bem mais do BBB. Até Leila Diniz, a musa do Pasquim dos anos 70, é relembrada.

Dito assim, parece que pouco se salva do novo Pasca. Não é verdade. Maravilhoso o cartum de página dupla central de Caruso mostrando a árvore, digamos, genealógica de Roseana Sarney, para que não nos esqueçamos do caldo de cultura específica em que ela foi criada. Notável igualmente a meia página de Sérgio Augusto, onde ele suborna uma camareira para ter acesso a manuscritos abandonados pelo “escritor” Alexandre Frota em sua primeira incursão literária como autor.

Aliás, só Sérgio Augusto mantém aquelas notas curtas que fizeram a fama do velho Pasca. E, como sempre, vai na mosca, dando uma paulada em cima de um comercial de TV cretino da Vesper que esculhamba música clássica.

No geral, entretanto, é inevitável o saudosismo. Juro: me senti transportado para a Praia de Ipanema, ao Antonio’s, e aí senti falta da agressividade sadia de um Paulo Francis, do Millôr sempre espantoso e notável. Aos mais velhos, sugiro uma repassada em uma coleção do Pasquim dos anos 70/80 para refrescar a memória, e comparar um e outro.

Ah, ia esquecendo a insuportável carioquice herdada dos anos 70. Naquele momento, decretou a patota do Pasquim, só existia inteligência em Ipanema. Ao restante da população, principalmente os paulistas, restava a alternativa de se curvar e chamá-los de Sahibs, Bwanas. Pois este OPasquim21 conserva o cretino preconceito. Alguém esculhamba a Globo por transmitir o carnaval de São Paulo (só por que SP-capital é o primeiro mercado publicitário e SP-interior o segundo, ficando o Rio de Janeiro com a medalha de bronze?, pergunta o carioquíssimo Pedro Paulo Pitto, na página 35).

Antes do lançamento do novo Pasca, Ziraldo deu entrevistas dizendo que a revista Bundas (seu mais recente projeto editorial que fechou há pouco) não atraiu anunciantes por causa do nome, mas que agora, no OPasquim21 os anunciantes vão retornar aos bandos. Difícil.

Por que será que um cara inteligente como o Millôr jamais voltou às sucessivas reencarnações mal-sucedidas do Pasquim? Certamente não foi por briguinhas pessoais com este ou aquele. É que ele sabe que a história só se repete como farsa.

P.S.: o Jaguar, que recentemente andou fazendo umas palhaçadas deprimentes com a turma do Casseta&Planeta, na Rede Globo, não comparece neste primeiro número. Estranho. Seria vendetta por ter aparecido na telinha da “Vênus Platinada”? Este era um dos nomes que a Globo tinha para a patota do Pasca. Pobre Jaguar, ao folhear o jornal tive saudades do rato Sig. Ele se encaixaria como uma luva no novo OPasquim21. Não precisaria de nenhum retoque.




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