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Chivas, um festival de jazz sem concessões
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
30/04/2004 | 18:47
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Não é ranço de purista não, mas que o Chivas Jazz Festival – de 5 a 8 deste mês no Directv Music Hall – é o único evento já realizado no Brasil que justifica o nome, lá isso é verdade. Desde o primeiro festival internacional de jazz de São Paulo, nos idos de 1978, jogou-se espertamente com o conceito de misturas e inclusões, para no fundo atender aos chamados “critérios comerciais”. Assim, nas décadas de 1980 e 1990 o Free Jazz, por exemplo, nada tinha de free nem de jazz. Era apenas um caldeirão mal costurado.

É esta a notória qualidade do Chivas Jazz Festival, que chega à sua quinta edição mantendo os princípios saudáveis do produtor Toy Lima. É simples: se o festival é de jazz, deve ter jazz. Com a vantagem de que Lima tem um faro especial para trazer músicos excepcionais que nem sempre estão no foco da mídia. Foi assim, em anos anteriores, com o trompetista Dave Douglas, com o pianista Jason Moran e com o clarinetista Don Byron. E agora, nesta edição 2004, Lima de novo surpreende com algumas escolhas formidáveis.

Melhor noite – A começar do pianista Andrew Hill, um original fruto do bebop hoje com 67 anos, que nasceu em Chicago, mas bebeu nos ensinamentos de Thelonious Monk. É da década de 1960 sua gravação-ícone, o LP Point of Departure. Hill só voltou à cena na virada do ano 2000, quando gravou o excepcional CD Dusk para a Palmetto (o disco ganhou todos os prêmios, incluindo o da revista Down Beat como melhor CD do ano). Nos últimos quatro anos, outro registro admirável: A Beautiful Day, também pela Palmetto. Ele abre o Festival no dia 5.

Na mesma noite, subirá ao palco, pela primeira vez no Brasil, a cantora Sheila Jordan, acompanhada pelo trio do pianista Steve Kuhn. Sheila, 75 anos, formou-se curtindo mitos como Charlie Parker, Monk e Gillespie, no fermento altamente criativo do bebop nova-iorquino do final dos anos 40. Casou-se então com o pianista Duke Jordan, de quem leva até hoje o sobrenome. É uma autêntica bebop singer e vem com um trio de imenso respeito. Kuhn toca com Sheila desde os anos 1970, e se apresenta no Chivas com dois parceiros notáveis: o contrabaixista David Finck e o baterista Billy Drummond.

Pode parecer exagero, mas se puder ir somente a uma noite ao Chivas, eu certamente não perderia os shows de Andrew Hill e Sheila Jordan/Steve Kuhn.

West Coast e Hard Bop – Na quinta-feira, dia 6, o veteraníssimo saxofonista Bud Shank, 77, apresenta-se com um quarteto muito bom, que inclui o pianista Bill Mays e o baterista Joe LaBarbera (que tocou com Bill Evans). Shank foi parceiro do violonista brasileiro Laurindo de Almeida na Califórnia dos anos 1950, e é legítimo representante do jazz west coast – aquele estilo de Shorty Rogers, Art Pepper, Stan Getz e outros, que influenciou barbaramente Tom Jobim e os inícios da bossa nova. Na mesma noite, outro veterano, o baterista Louis Hayes, 66, vem com a Cannonball Adderley Legacy Band. Cannoball (1928-1975) foi um dos grandes saxofonistas do estilo hard bop dos anos 1960/1970, e junto com Hayes vem outro ótimo saxofonista, Vincent Herring.

Europa e exotismo – A sexta, dia 7, abre com uma marca registrada dos festivais de Toy Lima, que sempre garimpa uma grande atração européia. Foi assim, em anos anteriores, com o notável pianista Jean-Michel Pilc, e a dose se repete agora com o acordeonista francês Richar Galliano, nome consolidado no jazz europeu. Fechando a noitada, a The Sun Ra Arkestra, dirigida por Marshall Allen, com participação do percussionista brasileiro Elson Nascimento. Sun Ra (1914-1993) foi um dos mais originais bandleaders da história do jazz: misturava música de excelente fatura com toques orientais, indianos e foi um dos precursores da famigerada new age.

Para conhecer – O sábado, última noite do Chivas, oferece uma noitada mais longa, com três atrações: o trompetista Tom Harrell pode ser a maior supresa do festival, ao lado de Hill e Sheila Jordan/Steve Luhn: aos 58 anos, está no auge da forma. Ganhou de 1996 a 1999 o prêmio de melhor trompetista do ano da Down Beat e está sempre entre os primeiros. Faz um trabalho muito pessoal, calcado em composições próprias, e tem uma admirável técnica. Em seguida, o nosso trombonista Raul de Souza, que vem ao Brasil para comemorar seus 50 anos de carreira. E, fechando o Festival, o baterista Bobby Previte e sua Bump the Renaissance Band. Ele organizou-a em 1985 e hoje o grupo conta com pelo menos duas feras notáveis do jazz moderno: o saxofonista de vanguarda Marty Ehrlich e o contrabaixista Steve Swallow. Completam este quinteto diferente que não tem trompete o pianista Wayne Horwitz e o trombonista Curtis Fowlkes.

Chivas Jazz Festival – Shows de jazz. De 5 a 8 de maio, sempre às 21h. No Directv Music Hall – av. Jamaris, 213, São Paulo. Tel.: 6846-6040. Ingr.: de R$ 35 a R$ 65.




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