O autor, contudo, sabe que não há como abordar de longe o aqui/agora. Comprometido com a sua época, não fecha as situações que apresenta. "Insetos traz à tona a necessidade de nos posicionarmos e não de darmos conta das questões. O texto abre vozes", resume Rodrigo Portella, diretor do espetáculo, responsável pela elogiada encenação de Tom na Fazenda, a partir do original de Michel Marc Bouchard, e com experiência acumulada em outras companhias - Quantum e Cortejo. Concebida para comemorar os 30 anos da Cia. dos Atores, a montagem de Insetos está em cartaz em salas de exposição do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. Será apresentada no Festival de Curitiba amanhã e quarta-feira. Em julho, a encenação desembarcará em São Paulo.
Marcando a continuidade da parceria entre Jô e a companhia após a bem-sucedida trajetória de Conselho de Classe, Insetos foi escrito durante os ensaios, no calor dos acontecimentos do Brasil de hoje. "Jô capta o que estamos vivendo. Assume a nossa perplexidade diante das circunstâncias", assinala Susana Ribeiro, que contracena com colegas de companhia - Cesar Augusto, Marcelo Olinto e Marcelo Valle (Gustavo Gasparani, integrante do grupo, não pode participar por causa da agenda do espetáculo Zeca Pagodinho - Uma História De Amor Ao Samba). Em Insetos, é possível perceber analogias com fatos como a recente intervenção militar no Rio de Janeiro e com figuras específicas da história atual. "Mas não reforçamos as associações. Deixamos a cargo do espectador", aponta Susana.
Os atores não imitam cigarras, gafanhotos, baratas, besouros, mariposas, borboletas, mosquitos, formigas, libélulas e marimbondos. "Os insetos remetem a corpos distintos dos nossos. Queremos que a plateia consiga identificar as diferenças por meio da respiração, do batimento cardíaco, do olhar, e não dos figurinos. Entretanto, nada nos impede de colocar anteninhas. A superficialidade também faz parte do jogo", pondera Cesar. De qualquer modo, Rodrigo evita a caricatura, o estereótipo. "Caminho com os atores na busca por uma crença, uma coerência interna que faça sentido para que possam dizer com verdade algo estranho, extracotidiano", explica.
O registro interpretativo é um desafio para a Cia. dos Atores, que se mantém em estado de inquietação. Insetos reúne características encontradas em espetáculos da companhia - em especial, a dessacralização do texto, até em se tratando de obras consagradas como Hamlet, de William Shakespeare (que rendeu a encenação Ensaio.Hamlet).
A liberdade na realização de operações sobre as peças fica evidente em Insetos por meio da assinatura da dramaturgia, dividida entre Jô, Rodrigo e os atores da companhia. "Durante esse processo, lembrei de vários trabalhos que fizemos: A Bao A Qu (Um Lance de Dados), A Morta, Melodrama, Meu Destino É Pecar, Conselho de Classe", enumera Susana. Apesar de o núcleo ter diminuído ao longo dessas três décadas de percurso - Bel Garcia morreu, Enrique Diaz e Drica Moraes se desligaram -, os integrantes do grupo permanecem conectados com elementos de sua pesquisa. Preservam vínculos antigos e estabelecem novos.
A sede - uma casa localizada na Escadaria Selarón, na Lapa - se tornou um polo de jovens artistas. A partir de determinado momento, ganhou a administração conjunta da Cia. dos Atores e de outros coletivos, Os Dezequilibrados, conduzido por Ivan Sugahara, e Pangeia, por Diego de Angeli. Nesse instante, a sede volta para as mãos da Cia. dos Atores. "Estamos sustentando o espaço com recursos próprios", sublinha Marcelo Olinto. "Precisamos de subvenção, mas não somos pedintes. Não falamos do lugar da penúria", complementa Marcelo Valle.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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