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Desvalorizaçao do real causa crise na Sabesp
Do Diário do Grande ABC
03/07/1999 | 17:23
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A Companhia de Saneamento Básico de Sao Paulo (Sabesp), que era a menina-dos-olhos do governador Mário Covas (PSDB) até o fim do ano passado, virou seu maior pesadelo. A estatal passa por tamanha crise que, neste sábado, divulgou um aumento médio de 14,9% na tarifa de água e esgoto dos contribuintes paulistas, embora a pesquisa do Indice de Preços ao Consumidor (IPC-Fipe) tenha registrado deflaçao de 0,24% nos últimos 12 meses.

O acréscimo nas contas, quase cinco vezes superior ao valor aplicado no ano passado, de 3,12%, servirá para ajudar a amortizar o débito em dólar que a estatal adquiriu desde 1995, segundo afirmam funcionários da própria Sabesp. Em apenas três meses, a dívida externa da companhia teve um aumento de R$ 1 bilhao. Saltou de R$ 1,7 bilhao em dezembro do ano passado para R$ 2,7 bilhoes em março deste ano. O motivo: a desvalorizaçao do real e alta dos juros no início do ano.

O crescimento da dívida desestabilizou completamente a Sabesp. A companhia, que até entao tinha conseguido realizar o maior plano de investimentos de sua história, de R$ 3,5 bilhoes, passou a operar no vermelho. Apresentou prejuízo de R$ 655 milhoes no primeiro trimestre deste ano, em contraste com os R$ 542 milhoes de lucro que teve no ano passado. As despesas financeiras tiveram um acréscimo de R$ 794 milhoes em três meses. Só nos meses de janeiro e março, a Sabesp teve de arcar com duas parcelas pesadas do endividamento externo. Pagou US$ 100 milhoes em janeiro e US$ 275 milhoes em março.

Por causa do aumento da dívida, todos os investimentos previstos da estatal para este ano foram paralisados. Além das obras de expansao da rede de água e esgoto, o projeto de despoluiçao do Rio Tietê também foi afetado, uma vez que a Sabesp era seu principal impulsionador.

O presidente da Associaçao Paulista de Empresas de Consultoria em Saneamento, Sebastiao Adilson Tartuci Aun, afirma que a maior parte das 50 empresas associadas está em situaçao difícil, desde novembro do ano passado, quando as obras, mesmo já licitadas, foram suspensas. Muitas das empresas, segundo ele, chegam a estar em situaçao falimentar. O desemprego no setor também é grande: cerca de mil pessoas estao sem trabalhar.

De acordo com o presidente da Associaçao Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), Paulo Godoy, a paralisaçao das obras - cerca de 200, segundo a Sabesp - afetou também o setor da construçao civil. Ele calcula que existem neste sábado cerca de 4 mil desempregados por causa da crise da Sabesp.

Em documento entregue ao deputado estadual Carlos Zarattini (PT), datado de 11 de maio deste ano, o diretor econômico-financeiro da estatal, Paulo Domingos K. Galletta, admite que "somente após a conclusao da rolagem parcial (ou total) das principais dívidas financeiras que vencem em 1999, a Sabesp poderá indicar aos seus empregados, fornecedores, empreiteiros, à populaçao, ao governo do Estado, às prefeituras e à Assembléia, bem como ao Ministério Público, a real capacidade de voltar a cumprir integralmente com seus compromissos de expansao de seus serviços".

Em outro trecho do relatório, a empresa relata que "o fluxo de caixa da Sabesp sofreu severas restriçoes em 1999, impossibilitando qualquer retomada de investimentos com recursos próprios neste momento." Ou seja: nao existe previsao para o reinício das obras.

Segundo Zarattini, a maior parte dos investimentos - Sao Paulo conseguiu levar água potável a 100% da populaçao do Estado - foi lastreada em financiamentos externos, por meio do lançamento de títulos, os chamados "eurobônus". Ele explica que, para se precaver da desvalorizaçao, a Sabesp deveria ter feito operaçoes de "hedge", ou seja, um seguro por meio de bancos para ser ressarcido de eventuais perdas provocadas por alteraçoes cambiais. "Todas as empresas que tinham dívida externa fizeram o seguro", diz Zarattini.

Explicaçoes - No documento da própria Sabesp entregue ao deputado, a empresa explica que, a partir de 1996, regras impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) impediram as estatais de ter acesso ao mercado financeiro nacional, só restando a alternativa do mercado internacional. De acordo com a assessoria de Imprensa da Sabesp, fazer operaçoes lá fora era mais rentável, já que os juros externos estavam menores que os praticados no Brasil.

A estatal nega que a maioria dos investimentos tenha sido fruto de financiamentos externos. Pelos números da Sabesp, dos R$ 3,5 bilhoes investidos entre 1995 e 1998, R$ 2,1 bilhoes foram criados com receita própria, R$ 900 milhoes com dinheiro do Tesouro do Estado e R$ 542 milhoes por meio de dívidas.

Ainda segundo a assessoria da Sabesp, nao foram contratadas operaçoes de hedge porque era "absolutamente muito caro fazer o seguro", diz o assessor de Imprensa, Márcio Riscala. Segundo ele, o problema é que a desvalorizaçao atingiu nao só os débitos de curto prazo, mas também as dívidas de longo prazo. "Por mais que você fizesse seguro, ele teria sido praticamente inócuo, já que boa parte da dívida é de longo prazo", argumenta.

Desde quinta-feira, o Estado entrou em contato com a Sabesp para obter esclarecimentos sobre a crise da empresa. Tanto o presidente da estatal, Ariovaldo Carmignani, como o diretor-financeiro Paulo Domingos K. Galletta estavam fora. Carmignani está de férias e Galletta, segundo a assessoria, sofreu uma cirurgia. O secretário de Recursos Hídricos, Mendes Thame, está em viagem ao Japao.

A assessoria também nega que o aumento da tarifa esteja relacionado à dívida. Segundo Riscala, existe um plano plurianual de investimentos a partir deste ano que só pôde ser montado porque "a dívida está equacionada". Nao é o que demonstram os números da empresa.

O aumento da conta, afirma, está ocorrendo por causa do reajuste nos preços de materiais e serviços para a captaçao, tratamento e distribuiçao da água e esgoto. Apenas os produtos para o tratamento da água, informa a empresa, subiu 39,35%.

Elizabeth Tortolano, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Agua, Esgoto e Meio Ambiente de Sao Paulo (Sintaema), nao concorda com a explicaçao da empresa. Ela afirma que a Sabesp baixou as despesas operacionais, cortando muitos contratos de prestaçao de serviços. Elizabeth diz ainda que o material de tratamento da água subiu 13% e as despesas com material em geral diminuiu 8% em relaçao ao ano passado. "A justificativa para o aumento é o pagamento da dívida", afirma.

Debêntures - A Sabesp enfrenta ainda um outro problema: por conta do acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI), as estatais nao podem realizar financiamentos públicos via BNDES ou Caixa Econômica. "Para pagar a dívida externa a Sabesp teve de emitir debêntures no mercado interno a juros altos", diz o deputado Nivaldo Santana (PC do B), ex-funcionário da estatal.

A própria empresa alega que essa foi a única alternativa encontrada para quitar dívidas a longo prazo. Todo o esforço da empresa, no momento - segundo o documento -, é no intuito de alongar o perfil das dívidas. "O efeito dessa crise é que a qualidade dos serviços está caindo", acusa o deputado.




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