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Empresas de televisão são acusadas de usar indevidamente verba da Ancine
28/12/2017 | 07:30
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Uma denúncia acusa uma empresa de TV a cabo e duas produtoras de usarem indevidamente dinheiro público na produção de seriados. Já protocolado no Ministério Público Federal, que ainda analisa o caso e portanto não notificou os supostos envolvidos, o documento explica que a empresa Turner, em associação com a Gullane Entretenimento e com a O2 Produções, em casos diferentes, se beneficiou do uso irregular de verba da Ancine. O denunciante permanece no anonimato.

Ao decidir investir dinheiro em uma produção no Brasil, uma empresa estrangeira deixa de pagar 11% dos impostos que pagaria se enviasse a verba para seu país de origem e arca apenas com 3% do valor da produção em uma conta de recolhimento bloqueada que poderá ser usada pela Ancine. Se essa quantia não for solicitada em até 270 dias pela empresa de TV para a realização de um novo projeto, esse valor vai para o FSA, o Fundo Setorial do Audiovisual da Ancine, que conta com R$ 1 bilhão ao ano para investir em documentários, filmes e séries independentes selecionados em mais de 20 editais pelo Brasil.

A denúncia ataca dois momentos de movimentação da Turner. O primeiro é na origem, quando a empresa declara que vai participar como coprodutora de dois projetos dos quais a Ancine não tem conhecimento. Com a Gullane, ela faria o projeto original Irmãos e Detetives. Com a O2, seria o Turma da Mônica Jovem. O problema, sempre segundo a denúncia, é que nenhum dos dois estava protocolado na Agência Nacional do Cinema.

Como os projetos não foram à frente por razões diferentes, a Turner decidiu, segundo os denunciantes, apostar na produção de outras duas séries com as mesmas respectivas produtoras. Com a Gullane Entretenimento, passou a fazer Irmãos Freitas, sobre a vida do lutador de boxe aposentado Acelino Popó de Freitas e de seu irmão. Já com a O2, os esforços seriam agora para realizar Rua Augusta, série ficcional que traz como cenário principal uma das ruas mais emblemáticas da cidade de São Paulo. Nos dois casos, a suposta irregularidade é a seguinte: ao decidir pela troca de projetos, a Turner teria usado a verba do FSA depois dos 270 dias do prazo legal estipulado para a realocação. A Ancine fez um parecer técnico sobre o episódio de Irmãos e Detetives reforçando o impedimento no uso da verba, mas a denúncia afirma que o mesmo projeto contou com outro parecer favorável posterior, assinado pelo procurador-geral federal à época, Alex Braga, que hoje é diretor da Ancine. A diretora da Gullane na época era Debora Ivanov, hoje diretora interina da Ancine.

O MinC, ao qual a Ancine é subordinada, responde ao Estado dizendo que a pasta foi notificada e "encaminhou a denúncia à própria Ancine, uma das instâncias responsáveis por apurar o caso e penalizar os envolvidos. O departamento jurídico do MinC está finalizando a análise do processo para encaminhar às demais instâncias responsáveis por apurar o caso e penalizar os envolvidos, a saber: a Casa Civil, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU)." E encerra dizendo que "a pasta está à disposição dos órgãos de controle para oferecer as informações necessárias à investigação."

A Ancine responde em um longo comunicado. Diz que não recebeu ainda qualquer notificação formal por parte do MPF e que o caso se trata de "uma denúncia anônima encaminhada à Ancine, a outros órgãos públicos e à imprensa, e não uma peça produzida no âmbito do MPF." Ela rebate as acusações, diz que os projetos citados (Rua Augusta e Irmãos Freitas) seguem em fase de produção e termina afirmando que a agência "zela pela lisura, transparência e devida instrução dos processos administrativos e pela correta e regular aplicação de recursos públicos na atividade audiovisual brasileira."

A Gullane vai no mesmo caminho. Diz que a série Os Irmãos Freitas, em coprodução com a Turner Brasil, tem todo o processo "acompanhado e aprovado pela Ancine e em nenhum momento fomos notificados ou questionados por qualquer órgão do governo."

A Turner também fala ao jornal "O Estado de S.Paulo", por meio de comunicado: "No tocante à suposta denúncia em questão, a Turner, que atua há 30 anos no País, reafirma que tem se mantido fiel a seus valores, com conduta inquestionável, norteada por tudo aquilo que preconiza a lei, de modo que nenhuma ilegalidade foi cometida, sobretudo no que tange a alocações de recursos, cumprimento de prazos ou a qualquer outro requisito legal vigente relativo às produções originais." Ela nega que os filmes originais seriam "fantasmas": "Todos os projetos apresentados à Ancine tiveram a devida aprovação do órgão regulador e seguem em plena produção." Eles também negam ter recebido qualquer notificação do Ministério Público.

Outros argumentos são dados por uma fonte ligada à empresa Turner, que não quis se identificar. O projeto Irmãos e Detetives tinha como detentor do formato a Telefe, grupo de TV na Argentina. Mas, durante a tramitação, a Ancine baixou uma Instrução Normativa restringindo o financiamento para formatos estrangeiros. Com isso, a Turner não podia seguir em frente. Sobre Irmãos Freitas, ela afirma que o projeto já existia na Ancine mas que, por ser originalmente filme, a Turner não manifestou interesse em fazê-lo. "A empresa só se interessaram depois em coproduzir Irmãos Freitas com a Gullane em formato de série, e o projeto seguiu a tramitação normal.

A O2 diz que a série Rua Augusta "não é um 'filme fantasma' como foi citado pela denúncia anônima." Ela responde mais diretamente sobre os prazos de uso da verba que iria para o FSA. "A O2 não tem controle sobre as datas dos recursos alocados. Esses recursos alocados transferidos oficialmente pela Ancine para produção deste projeto foram utilizados pela O2 dentro da legalidade e resultaram numa série de 12 episódios que será exibidos a partir de março."

Os bastidores do outro lado da história também trabalham no anonimato. Segundo fontes que também não se identificaram, a denúncia anônima tem motivação política e seu alvo seria a diretora interina da Ancine, Debora Ivanov, que estaria desgastada junto ao MinC depois de desentendimentos com a pasta relacionados a políticas afirmativas para diminuir a desigualdade de gênero e racial no setor audiovisual. Procurada, Debora não falou com a reportagem, além da nota divulgada pela Ancine.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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