Cultura & Lazer Titulo
Glória Menezes está de cabeça raspada em 'Jornada de um Poema'
Do Diário do Grande ABC
15/05/2000 | 16:00
Compartilhar notícia

ouça este conteúdo

Perucas estao meio fora de moda, mas a atriz Glória Menezes vai desfilar uma coleçao delas nos próximos meses. Num rasgo de coragem, ela rapou totalmente os cabelos para viver a personagem Vivian Berling na peça "Jornada de um Poema", da americana Margaret Edson, que estréia na quinta-feira, no Teatro Leblon, no Rio, e deve fazer temporada também em Sao Paulo.

O ator Diogo Villela, que faz sua estréia como diretor nesse espetáculo, foi o responsável pela escolha do título - "Jornada de um Poema" - como versao para o original inglês, "Wit", que significa argúcia, sagacidade. Trata-se do primeiro texto da autora, uma professora de história e literatura, que decidiu escrever a peça depois de trabalhar num hospital universitário onde eram realizadas pesquisas de câncer e aids.

Argúcia certamente nao faltou à americana ao criar a peça, uma vez que ganhou vários prêmios com seu texto de estréia entre eles o prestigiado Pulitzer. Foi a atriz e amiga Bete Coelho quem apresentou o texto a Glória Menezes, que havia feito sua última incursao ao palco quatro anos atrás, contracenando com Tarcísio Meira em "E Continua Tudo Bem", de Bernard Slade.

Impacto - "Há tempos eu procurava um bom texto para voltar ao teatro e, no ano passado, mandei um deles, que havia me atraído, para Bete Coelho ler e dar sua opiniao", diz Glória em entrevista à reportagem. Mas Bete acabara de ver "Wit" em Nova York. "Ela sugeriu a peça de Margaret dizendo que a personagem era maravilhosa e só nao fazia ela mesma porque nao tinha idade para isso", conta Glória. "Quando li, fiquei impactada e decidi que iria levá-la ao palco".

A trama gira em torno de uma professora universitária, uma mulher brilhante, especialista em literatura do século 12, que subitamente descobre ter um câncer no ovário em estágio avançado. "Apesar de falar sobre a morte, o tema da peça é a vida", garante Glória. "A personagem é uma intelectual brilhante que, diante do imponderável, faz um exame de consciência e descobre que a felicidade está nas coisas mais simples da vida".

O primeiro desafio imposto pela personagem à atriz foi perder os cabelos. "A roupa nao impede que a gente conheça o próprio corpo, mas a nossa cabeça a gente nem imagina como é sem a moldura dos cabelos", comenta Glória. "Sem cabelos, eu me senti nua, tive a sensaçao de estar totalmente desprotegida". Nao sao raros os casos em que o personagem acaba por interferir no dia-a-dia de um ator.

Para encarnar o homem-onça na peça "Meu Tio Iauaretê", o ator Cacá Carvalho deixou de aparar durantes meses as unhas dos pés e das maos. "Eu nao podia usar sapatos e até o banho se tornou um ritual complicado", lembra Cacá. Algo menos drástico ocorreu com Gilberto Gawronski quando pintou os cabelos de vermelho vivo para atuar em "Na Solidao dos Campos de Algodao". "Eu já estava cansado de atrair todos os olhares na rua", diz o ator.

Emoçao - Na selva da indústria cultural, muitas vezes galhos e troncos se confundem. Apesar de chamar a atençao, a composiçao física é apenas um detalhe. Glória nao é boba e sabe que o desafio maior está por vir. "Eu entro em cena no início do espetáculo e nao saio mais; só calo a boca quando a peça termina", diz. "O texto tem uma capintaria muito interessante e conjuga presente, passado, futuro e ainda narrativa e texto dramático".

Um simples movimento no palco, um passo atrás ou à frente e a personagem muda do discurso narrativo para o dramático - passa a viver a açao -, o que certamente exige grande domínio de emoçao da intérprete. "Tenho 40 anos de carreira e, na minha idade, uma atriz precisa arriscar, ir ao encontro de desafios, fundamentais para a renovaçao", afirma Glória. Sua personagem tem pouco mais de 50 anos. "Ela é uma especialista na obra do John Donne, cujos temas sao o amor e a morte". Dois poemas de Donne vao ser ouvidos no palco. "É um poeta fascinante", garante Glória que entrou em contato com sua obra a partir da peça.

Espelho - "Vivian conhecia profundamente a obra de Donne, porém sua compreensao era fria; depois de tomar conhecimento da doença, sua percepçao dá um salto, ela se torna o sujeito desses poemas". Sabe-se pouco do passado da personagem, uma vez que importa mesmo a transformaçao de sua visao de mundo. Mas há cenas de flash back de sua relaçao com o pai (Adriano Reis) na infância e com uma antiga professora (Beatriz Lira), uma espécie de mentora, que a introduziu na obra de Donne.

As relaçoes mais fortes, no entanto, ocorrem mesmo no presente, com um médico e uma enfermeira. Edgar Amorim interpreta um jovem médico, um pesquisador igualmente brilhante e frio, que acaba funcionando como um espelho cruel para a paciente. "Ele está mais interessado na pesquisa científica do que nos sentimentos humanos", observa Glória. Vivian acaba reconfortada pela enfermeira, uma mulher simples. "Ela é meio burrinha, porém capaz do toque de carinho".

Glória define sua personagem como uma mulher que a vida inteira teve uma "cabeça muito grande e um coraçao pequeno", que só ao bater contra uma realidade dura se dá conta disso. "Eu pensei que sendo extremamente brilhante ia dar conta de tudo, mas fui desmascarada", diz a personagem numa das cenas. Admiradora de Diogo Villela, Glória decidiu convidá-lo para a direçao e nao se arrependeu. "Ele é um ator talentoso e versátil, tem uma intuiçao muito forte e vem sendo um prazer".




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.
;