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'Capitão Sky' celebra a fantasia tecnológica
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
19/11/2004 | 10:26
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O que o mundo poderia ser e o que o mundo se tornou; o impasse que Capitão Sky e o Mundo de Amanhã implanta na retina do espectador é mais ou menos esse, ao opor potencialidade e realidade. Kerry Conran, diretor da aventura que estréia nesta quinta em duas salas da região, faz um elogio à fantasia tecnológica, à ficção científica e àquilo que autores como HG Wells e Júlio Verne projetavam como possibilidade para um planeta que ainda desconhecia as revoluções do século XX, das guerras mundiais e tal. E, como era de se esperar, Conran é romântico para com a atmosfera elogiada.

Capitão Sky e o Mundo de Amanhã é baseado no arrebatamento e no maravilhamento. Robôs gigantes que fariam Godzilla sentir-se uma lagartixa, aviões que transformam-se em submarinos, porta-aviões que flutuam para além das nuvens, elefantes de estatura próxima à de uma ratazana, avestruzes do tamanho de girafas - elementos distribuídos ao longo do filme para embasbacar, e que realmente umedecem o rosto de qualquer um. Os efeitos especiais e a direção de arte, meio noir, meio história em quadrinhos, meio Georges Méliès, cumprem seu papel.

O mesmo não se pode dizer do propósito de Conran ao ligar o liquidificador com esse tanto de referências. Nova York, 1939: Polly Perkins (Gwyneth Paltrow) é repórter do Chronicle, jornalista daquela linhagem hollywoodiana que vive para escrever, investigar grandes casos e o blablablá de sempre. Está na rua quando testemunha a invasão da metrópole por autômatos imensos que arruinam a cidade atrás de geradores de energia. É salva de ser pisoteada pelas criaturas graças à intervenção do capitão Joe Sky (Jude Law), um aviador mercenário.

Conran quer se reaproximar das matinês, de Buck Rogers, de Perdidos no Espaço. Sua ambientação toca o noir e o retrô futurista, num design quadradão que contrasta com o progresso hoje solidificado. Depois do ataque dos robôs, Polly e Sky descobrem que uma turma composta pelos mais brilhantes cientistas do mundo tem sido sistematicamente assassinada. As investigações conduzem a dupla, namorados em outros carnavais, até Totenkopf, um vilão que acreditava-se morto até então. Descobrem mais: o objetivo último do facínora é reunir um casal de cada animal terrestre, humano inclusive, e despachar todos rumo a outro planeta e recomeçar a vida do zero. O plano do novo Noé, que reside na legendária Shangri-la, só estará completo se a Terra for riscada do universo.

São os anos 1930, zepelins e edifícios gigantescos conspurcam o céu. A verticalização obedecia ao ritmo da vida e ao advento das máquinas - mas só para quem tinha grana no bolso. É isso que Conran quer apontar de forma rocambolesca lá pelo fim de Capitão Sky, quando os mocinhos afinal se deparam com o tal Totenkopf, cujos planos, ele afirma, são uma resposta a um mundo que não se preserva, a uma humanidade que não zela por si e pelo seu entorno, a um gênero autodestrutivo. O bandido quer reiniciar a natureza, construir o que ele chama de "o mundo de amanhã". Contudo, o diretor não esmera a questão, que configura-se apenas em porquê para justificar a eliminação do sujeito.

Capitão Sky, portanto, acaba um elogio também à manutenção, à preservação da evolução sem admitir individualismos. É contraditório ao dizer e desdizer ao mesmo tempo que o homem deve ser considerada a maior maravilha do universo (preste atenção no momento que a repórter Gwyneth resolve queimar a única pose de que dispõe na sua câmera fotográfica). Um ataque ao próprio ato criativo num filme que, até para ser a matinê que deseja, tem carências, como o timing na montagem, que antecipa os eventos do enredo com uma cara-de-pau (ou descuido, na pior das hipóteses) ímpar. Usa os mais banais recursos do filme de aventura sem saber usá-los. Nem Angelina Jolie, a deusa bocuda que surge em participação especial e caricata, presenteada com um tapa-olho, salva Capitão Sky da queda livre. No máximo, a intérprete de Lara Croft só ajuda a engrossar o coro de "may day, may day".




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