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Coleçao 'Intérpretes do Brasil' arranca elogios
Joao Marcos Coelho
Especial para o Diário
01/07/2000 | 16:07
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Nunca um agradecimento foi tao justo e adequado como o que a Editora Nova Aguilar fez na abertura do primeiro dos três volumes que compoem a coleçao Intérpretes do Brasil - 13 livros básicos escritos ao longo de nossa história e que tentam decifrar o claro enigma que é nosso país. "A editora agradece a todos os idealizadores e realizadores do projeto por ter tido a gloriosa oportunidade de dele participar e espera firmemente que o poder público no Brasil continue apoiando iniciativas como esta, aí sim carentes de apoio".

Pois bem, longe dos brilharecos e fogos de artifícios costumeiros nas comemoraçoes, ao menos os ditos festejos dos nossos 500 anos geraram um produto cultural importante, indispensável para melhor compreendermos a realidade brasileira ao longo de sua história. Desta vez valeu a pena colocar dinheiro público em um projeto cultural. E é curioso que o patrocinador direto seja o próprio Governo, por meio do Ministério das Relaçoes Exteriores, autor da idéia, e do MinC (Ministério da Cultura).

O encarregado de escolher os títulos foi o professor Silviano Santiago, autor de uma primorosa introduçao de quase 50 páginas, texto que deveria ser lido, relido e estudado por todo brasileiro consciente, em funçao de sua agudeza de raciocínio e clareza. "Sao estes os melhores ensaios escritos por brasileiros sobre o Brasil depois da Independência do país". Os dez ensaios e um romance foram eleitos a partir de um "princípio organizador que desse a dimensao da força intelectual que desenvolvemos, geraçao após geraçao, para refletir sobre o próprio país".

Em seguida, Santiago enumera os pares de conceitos que o guiaram: "O feito, o que está sendo feito e o que deverá ser feito. Pensamento e açao. Injustiças e verdades. Fracassos e conquistas. Reflexao e autoconhecimento. O particular e o universal. Crítica e autocrítica. Idéias e governabilidade. Ideologias e fanatismo".

Santiago quis - e conseguiu - desnudar os modos como pensamos o Brasil. Reunida em três volumes papel-bíblia, a coleçao custa caro, R$ 138. No entanto, isso é bem menos do que se gastaria para comprar cada um dos livros separadamente (acima de R$ 300). Além disso, há uma vantagem editorial inestimável: para cada volume corresponde uma introduçao escrita por um especialista e, principalmente, índices onomásticos e de assuntos. Isso significa que, pela primeira vez, nossos textos básicos sejam editados segundo critérios profissionais. É um absurdo que no Brasil este procedimento editorial nao seja norma.

A coleçao começa com o clássico O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, segue com Os Sertoes, de Euclides da Cunha; A América Latina, de Manuel Bonfim; o primeiro volume de Populaçoes Meridionais do Brasil, de Oliveira Viana; Vida e Morte do Bandeirante, de Alcântara Machado; Retrato do Brasil, de Paulo Prado; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; Formaçao do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior; e A Revoluçao Burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes.

A preciosa brasiliana se completa com o único romance escolhido por Santiago: Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Gilberto Freyre, por exigência de seus herdeiros, comparece com seus três livros clássicos: Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso - se dependesse da vontade de Santiago só o primeiro seria eleito. Por isso, pode-se até falar numa ênfase excessiva em Freyre que desequilibraria a coleçao. Mas esse nao é um pecado importante, ainda mais porque o escritor pernambucano é costumeiramente muito mais citado do que lido de fato.

Uma característica notável desta brasiliana é que ela pode ser levada a qualquer lugar. O próprio Santiago confessa que quis fazer justamente isso: uma coleçao portátil que o leitor pudesse carregar e que contivesse o essencial sobre os modos como pensamos nosso país.

Claro, todos sao livros clássicos e aos quais raramente voltamos - se é que os lemos algum dia. Os excelentes ensaios introdutórios e o extremo cuidado editorial podem modificar este preconceito. Sim, é importante conhecer bem o cânone ocidental e ler a vasta literatura que sempre se renova a respeito de um Shakespeare, por exemplo. Mas tao ou mais importante é conhecer os livros que primeiro e melhor pensaram nosso país.




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