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Denise Stoklos mostra vozes dissonantes do Brasil em SP
Do Diário do Grande ABC
29/12/1999 | 14:53
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Pátria é todo lugar que o forte escolher para morada. A frase do historiador latino Curcio Rufo serviu como uma espécie de farol para iluminar as escolhas da atriz Denise Stoklos ao selecionar os textos de "Vozes Dissonantes". A mais recente criaçao do Teatro Essencial estréia dia 12 no Teatro Sesc Ipiranga dentro do projeto 1999... e foi realizado especialmente para a comemoraçao dos 500 anos de Brasil.

Como o próprio título do espetáculo antecipa, Stoklos escolheu desafinar o coro dos contentes e falar de uma pátria nao oficial, uma pátria que ainda nao existe, mas poderia existir se tivessem sido ouvidas, no passado, vozes de gente como Tiradentes. Uma Pátria ou um Brasil que ela acredita possível, caso sejam ouvidas outras vozes, no presente, como a do geógrafo Milton Santos.

"Falo de uma Pátria-Brasil que existirá um dia, porque sao muitos os que lutam por ela; na verdade, sao muitos os que já habitam nela, porque nós que queremos uma transformaçao, que nos indignamos com a exclusao, nao habitamos o mesmo Brasil dos que querem a estagnaçao e a manutençao das diferenças", afirma a atriz.

Comemoraçoes - Stoklos começou a preparar "Vozes Dissonantes" há quase dois anos, por sugestao do embaixador Lauro Moreira, entao presidente da Comissao Nacional para as Comemoraçoes do V Centenário do Descobrimento do Brasil, ligada ao Ministério das Relaçoes Exteriores. "Ele havia assistido na Espanha, por acaso, a 'Um Fax para Colombo', que fiz em comemoraçao ao descobrimento da América", contou a atriz.

"Foi o primeiro espetáculo que criei com esse objetivo de comemorar - memorar em conjunto - e saiu muito político, exaltado", relembrou. Pois foi justamente essa capacidade de indignaçao que estimulou ao embaixador a convidá-la para criar Vozes Dissonantes. E ele nao se limitou ao convite, mas fez inúmeras sugestoes de leitura para a atriz. "Ele sugeria Matias Aires ou padre Antônio Vieira, por exemplo, e eu corria atrás para ler."

Dois anos depois do convite, a comissao nao existe mais - transformou-se num comitê executivo ligado agora ao Ministério dos Esportes e Turismo, mas a parceria está mantida e já rendeu o fruto desejado. No espetáculo que o público poderá agora conferir no palco, com exceçao da definiçao de pátria do historiador Curcio Rufo, todos os textos foram extraídos de autores brasileiros, entre eles d. Hélder Câmara, Hélio Peregrino e Euclides da Cunha.

"Quando comecei a ler Os Sertoes, especialmente para a peça, fiquei tao impressionada com o texto de introduçao de Euclides da Cunha que liguei para o embaixador decidida a levar para o palco só aquele texto", lembra Denise. Ela mudou de idéia, porém o trecho escolhido saiu da introduçao, antes mesmo do autor abordar a revolta de Canudos. De início, as revoltas brasileiras - sabinada, cabanada, Inconfidência Mineira - ocupariam um bom tempo do espetáculo de pouco mais de uma hora.

Mas isso mudou quando Denise se deparou com o trabalho do historiador Dirceu Lindoso. "Ele tem um texto extremamente crítico no que diz respeito à forma pela qual a historiografia oficial aborda as revoltas populares", diz. "Percebi, entao, que se eu condensasse o que ele estava dizendo nao precisaria mais relatar a historinha de cada revolta."

Felizmente, nao seria possível dar conta de todas as vozes dissonantes de nossa história num único espetáculo. Depois de muito experimentar, Denise Stoklos decidiu abolir a ordem cronológica e optou por um espetáculo fragmentado, no qual ilumina por instantes alguns personagens ou incidentes de nossa história.

A via da emoçao - A atriz considera "Vozes Dissonantes" uma etapa de seu trabalho muito diferente de "Um Fax para Colombo'. "Falar da urgência de uma transformaçao de forma exasperada eu já realizei nesse primeiro espetáculo de aniversário do continente." Por isso, desta vez, ela prevê uma performance menos exaltada, mais poética, capaz de tocar o público pelo canal da emoçao. "Teatro bom é teatro que emociona", afirma. "Todas as vezes que saí de um bom espetáculo, saí emocionada, com vontade de transformar tudo na minha vida."

O premiado Maneco Quinderé será o responsável pela iluminaçao, que terá papel importante nesse espetáculo, no qual figurinos e cenários devem seguir uma linha de despojamento. "Já disse mais de uma vez que, no meu teatro essencial, gostaria de atingir um ponto no qual eu nao fizesse nenhum gesto e nao dissesse uma única palavra e ainda assim fosse teatro", diz a atriz.

Em Vozes Dissonantes ela estará perto de realizar a primeira parte desse desejo. Claro que fará gestos no espetáculo mas o desejo é que todos os elementos cênicos - cenário, figurino, trilha sonora e até mesmo o gestual da atriz - sejam despojados ao limite máximo e sirvam para reforçar o texto e, em nenhum momento, dispersar a atençao sobre ele.

Medicina da alma - "Tive o privilégio de entrar em contato com textos maravilhosos, de vozes corajosas que querem relaçoes mais justas e fraternas em nosso país", diz. "Sao textos que funcionam como mantras." Mantras que ela pretende dividir com os espectadores. "O teatro é uma atividade de medicina da alma; como no teatro grego, acredito que a representaçao deve ter a força de curar estados de alma nao desenvolvidos", diz. "No caso do Brasil, o teatro deve poder curar a nossa grande dor, que é a falta de açao, a incapacidade de transformar indignaçao em resultados práticos."

Terminada a curta temporada brasileira de "Vozes Dissonantes', Denise partirá para os Estados Unidos, onde dará um curso de um semestre sobre a arte do solo teatral na Universidade de Nova York. Em maio, deve estrear no Teatro La Mamma sua mais nova performance, ainda sem nome, inspirada no trabalho da artista plástica Louise Bourgeois. Se tudo der certo Denise levará o novo espetáculo, em junho, ao Festival de Teatro de Londrina.

Em sua ediçao do ano 2000, o Filo busca a integraçao entre as artes e também entre as artes e a cidade. "Ainda nao está certo, mas talvez Louise crie uma de sua celas especialmente para servir de cenário ao espetáculo em Londrina" revela Denise. Caso isso ocorra, a obra passaria a integrar o acervo de obras públicas da cidade.




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