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Violência demais e ideais de menos na era da globalizaçao
Sérgio Duran
Da ARN, em Sao Paulo
29/05/1999 | 18:50
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"A globalizaçao está forjando geraçoes de jovens violentos." A conclusao apresentada pelo psicanalista Jorge Forbes em entrevista ao Diário inova ao buscar na mente o "curto-circuito" que tem multiplicado a morte, as drogas e o fracasso nas escolas.  

Para Forbes, os adolescentes que aterrorizaram uma escola no Colorado (EUA) têm em comum com o grupo que matou o estudante Clóvis dos Santos Pereira, na semana passada, em Sao Bernardo, uma característica crucial que surpreende estudiosos - a inconseqüência. 

"Há um aumento da violência juvenil por causa de uma mudança no mundo, que passou de um processo de universalizaçao para o de globalizaçao. Entramos numa era em que as relaçoes nao sao mais dadas por meio de elementos aglutinadores de identidade, ideais de pátria, família, certo ou errado."  

Forbes identifica o ponto crucial dessa mudança na revoluçao dos computadores, no rápido acesso à informaçao. "Estamos em um momento sem ideais", diz. "Perdemos também os rituais da sociedade." 

Nesse ponto, Forbes chega à questao da morte, "o grande impedidor" e ao mesmo tempo a dúvida e o anseio de todo homem - antes sublimado por rituais como a Quaresma. "Saímos do país em que nao se comia carne na Sexta-Feira Santa para outro em que um cara chuta a padroeira na TV. Com isso, você desloca agrupamentos da sociedade, como a Igreja, que teorizavam a questao da morte." E no que isso implica aumento da violência? Daí vem o tour-de-force do psicanalista: os adolescentes - "pessoas que já têm potencialidades desenvolvidas, mas nenhuma opçao de vida tomada" - perderam o "prêt-à-porter social" do mundo universalista, um modelo pronto de reaçao a cada situaçao. "A globalizaçao leva o adolescente a ter sensaçoes desconhecidas. Ele nao tem a menor idéia do que fazer com aquilo", diz, traçando dois "caminhos" para essas sensaçoes: um é a proliferaçao de esportes radicais. "É a tentativa da meninada de estar o mais perto possível da sensaçao de morte, de achar respostas para o vácuo." O outro sao os "novos males sociais", crias do "curto-circuito", como drogas, violência e fracasso escolar. "As sensaçoes desconhecidas sao as que nao têm palavras para defini-las."  

O curto-circuito surge quando o adolescente vai da emoçao à açao inconseqüente sem o filtro da razao. "As drogas respondem, diretamente com prazer, à emoçao. Os meios de acesso ao dependente sao sempre os da intermediaçao da palavra, mas a patologia da droga exclui a palavra."  

Violência e fracasso escolar têm em comum o despropósito. "O jovem recebe o estímulo e responde diretamente, queimando uma pessoa no ponto de ônibus e, logo depois, ajudando uma velhinha a atravessar a rua. E ele nao está fingindo." O psicanalista abre parênteses na análise da violência juvenil para falar da "violência adulta". Um de seus exemplos é a corrupçao. Para ele, a falta de ética no governo está provocando na sociedade a quebra de um conceito do Direito, o affectio societatis.  

"Um presidente do Banco Central que tem escondido numa conta bancária no exterior mais de US$ 1 milhao é uma violência para a auto-estima do brasileiro", diz, referindo-se ao ex-presidente do BC Francisco Lopes. A corrupçao "leva a um descrédito absoluto do pacto social e a uma falta de amor". "Você pode fazer a Constituiçao e determinar como é que os cidadaos devem se organizar. Agora, para eles assumirem esse dever, é necessário que tenham o affectio societatis, este amor social."  

"Por isso é uma imbecilidade achar que a soluçao é a pena de morte, como reforço da lei. O problema do Brasil nao é esse, as leis existem. Nao há é vontade em cumpri-las. Por quê? Porque é uma norma comunitária e eu só vou cumpri-la se me vir representado nesta comunidade", diz.  

A corrupçao cria dois juízos de valor e exclui o cidadao da comunidade. "A negaçao de um presidente do banco que institui o valor da sua moeda em depor numa CPI quebra a possibilidade de affectio societatis." No fim, até esse fator embute uma contribuiçao nefasta da globalizaçao, o "maravilhoso mundo novo irresponsável". "Vivemos num mundo em que você nao é responsável por nada que te ocorra."




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