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Juíza interdita obra em S.Caetano
Elaine Granconato
Do Diário do Grande ABC
25/02/2005 | 14:24
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Apedido do Ministério Público, a juíza da 5ª Vara Cível de São Caetano, Maria Isabel Caponero Cogan, determinou quinta-feira à noite a interdição imediata das obras do complexo viário construído pela Prefeitura em área contaminada das Indústrias Químicas Matarazzo. A obra liga a avenida Guido Aliberti, na área central de São Caetano, à avenida dos Estados, no bairro Fundação, e seria inaugurada em 31 de março. Em seu despacho, a juíza ainda determina que a Prefeitura isole totalmente a área contaminada por resíduos de hexaclorociclohexano, popularmente conhecido por BHC, e mercúrio, a fim de “evitar perigo à incolumidade (segurança) pública”. As duas substâncias são altamente tóxicas e cancerígenas. O não cumprimento implicará em multa diária de R$ 1 mil aos cofres públicos.

O secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura, João da Costa Faria, disse que, desde as 18h de quinta-feira, uma viatura da GCM (Guarda Civil Municipal) faria ronda 24 horas no local para impedir o trânsito da população.

A Prefeitura construiu em terras da Matarazzo duas pistas de acesso ao novo viaduto. Uma delas passa exatamente em cima de uma das unidades desativadas da fábrica de soda, em cuja produção se utilizava o mercúrio. Sem consciência do risco à saúde, sucateiros garimpam com as mãos, sem nenhum tipo de proteção, pedaços de ferro no mesmo solo contaminado. Quinta-feira, durante todo o dia, a situação não foi diferente. “Estamos novamente aqui para ganhar o nosso pão”, disse uma das garimpeiras. Questionados sobre o perigo de manusearem uma terra contaminada, R.R., 53 anos, que fatura cerca de R$ 30 por dia, respondeu lacônico: “Pobre não fica doente”.

“É um caso gravíssimo. Tanto a Matarazzo quanto a Prefeitura sabiam que ninguém poderia mexer na área contaminada por BHC e mercúrio. Isso foi feito sem o conhecimento e o consentimento da Cetesb. Agora, terão de ser responsabilizadas judicialmente pelo ato. Ninguém pode alegar desconhecimento”, afirmou Luiz Antonio Brun, gerente da Agência Ambiental de Santo André da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). A obra dentro do terreno da empresa foi realizada à revelia da órgão estadual.

Ainda de acordo com o engenheiro, a Cetesb “cansou”, desde 1990, de enviar ofícios à empresa e à administração pública informando sobre o problema da contaminação do solo. “Todo mundo sabia da contaminação, inclusive para o ex-prefeito Tortorello (Luiz Olinto Tortorello, falecido em dezembro do ano passado). Por isso, jamais a Prefeitura poderia invadir o local e fazer o que fizeram”, ressalta.

Reclamação – Dias antes do Carnaval, o forte cheiro de BHC levou um morador do bairro Fundação a fazer um reclamação por telefone à Cetesb, que enviou técnicos ao local no último dia 11. Ali, constataram a obra dentro do terreno da Matarazzo. Na última segunda-feira, o órgão enviou dois autos de intimação para a Prefeitura e para a empresa. No mesmo documento, pediam pela “paralisação da obra e isolamento da área contaminada de modo a evitar o acesso da população ao local”. As determinações não foram cumpridas.

O Diário visitou três vezes o terreno quinta-feira e constatou “garimpo” e trabalhos na obra em todas as ocasiões. Em dias quentes, o cheiro do produto é inevitável e exala pelo ar. Operários faziam o canteiro central de uma das vias, a mesma que passou sobre o BHC e o mercúrio. Outros cuidavam do recapeamento asfáltico. Um dos funcionários trabalhava dentro de um buraco, de 1m30 de profundidade, que servirá para escoar a água. O odor era insuportável. Alguns segundos ali e os olhos começam a arder. “Muita gente teve dor de cabeça quando a máquina tirava a terra contaminada. Mas agora está melhor porque colocaram outra terra em cima”, conta o operário, que pede para não ser identificado.

Omissão – A empresa produziu o BHC até 1986 – nas décadas de 1950 e 1960 era usado no combate ao barbeiro, inseto transmissor da doença de Chagas. A Matarazzo não apresentou nenhuma proposta para remediar os danos ao solo, o que lhe rendeu uma série de ações civis e penais contra seus administradores na Justiça. A mais recente é a denúncia pela Promotoria Criminal de Justiça de São Caetano por crime ambiental. “Vou pedir um novo inquérito policial para verificar a responsabilidade do crime contra a saúde dos operários e sucateiros”, afirma o promotor de Meio Ambiente Júlio Sérgio Abbud, autor da ação civil pública ajuizada em 1995, pelo não cumprimento das ordens judiciais por parte da Matarazzo.

O assessor da presidência da Matarazzo, Sérgio Gross, voltou quinta-feira a dizer que a “empresa desconhecia a construção do complexo viário dentro do terreno”. Para ele, a responsabilidade pelo isolamento da área é da Prefeitura. “Fomos desapropriados. De um dia para o outro construíram uma rua passando dentro do nosso imóvel”, diz. Por conta da invasão nas terras da empresa, a Matarazzo entrou quarta-feira com ação de indenização contra a Prefeitura por desapropriação indireta. Para o gerente da Cetesb, a obrigação e responsabilidade de cuidar da área é da Matarazzo. Um representante da empresa assinou o auto de inspeção durante a visita dos técnicos da Cetesb no dia 11.

O gerente informou também que a construção de um parque de lazer planejado pela Prefeitura em praça anexo à área contaminada terá de passar primeiro por análise técnica do órgão.



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