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Quem deve discutir língua é linguista!
Clarice Assalim
02/06/2011 | 07:08
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Você já ouviu um biólogo dizer que uma maçã está errada, ou um astrônomo dizer que o sol não existe? Mas já ouviu que determinada forma de falar está errada, ou não existe, mesmo que você já a tenha lido e ouvido várias vezes. Sol e maçãs existem, mesmo eu não gostando deles. Então não tomo sol e como outras frutas, mas não posso julgar aqueles que se bronzeiam ou comem maçãs!

O mesmo se dá com os fatos linguísticos. "Nóis pega o pexe" é um fato, goste dele ou não. Como qualquer cientista, um linguista jamais dirá que um fato é errado ou feio.

A imprensa tem feito verdadeiro estardalhaço a respeito do livro Por uma Vida Melhor, indicado pelo Programa Nacional do Livro Didático. Jornais e revistas de circulação nacional se manifestaram contra o livro (e, por extensão, contra o MEC e o ministro Haddad), abrindo espaço para a opinião de vários ‘especialistas': integrantes da ABL, jornalistas, escritores, autores de manuais de redação e estilo... Curiosamente, nenhum linguista foi chamado por esses mesmos canais de comunicação para dizer o que pensa. O livro de Heloísa Ramos, isento de preconceitos, descreve maneira de falar que permite aos estudantes oriundos das ‘classes populares' se reconhecerem no material didático e perceberem que o modo como falam não é errado ou feio, mas diferente daquilo que a tradição normativa tenta preservar.

Em nenhum momento a autora propõe que se saia falando "nóis pega o pexe". O que ela faz, com muita lucidez, é defender o respeito à variedade linguística, deixando claro que o falante tem o direito de, conhecendo as várias formas de manifestação linguística, escolher a que achar mais adequada a determinada situação, arcando com os julgamentos sociais que isso acarreta.

Ela, como nós, jamais defendeu a ideia de que os usuários das variedades linguísticas estigmatizadas continuem excluídos do acesso às variedades cultas; ao contrário, todos concordamos que a escola tem o dever de inserir o estudante no mundo da cultura letrada e dos discursos que ela aciona. A escola precisa ensinar aquilo que ele não sabe, mas não pode desprezar o que ele conhece e, às vezes, prefere. É por isso que, apesar de não gostar, eu sei que sol e maçãs fazem bem à saúde. Os cientistas, via escola, me ensinaram isso. Então, quando preciso e quero tomar sol ou comer maças, sei como, onde, quando e por que fazê-lo.

Clarice Assalim é doutora em Filologia e Linguística Histórica e docente do Centro Universitário Fundação Santo André.




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