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Mestre Sivuca morre em João Pessoa
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
15/12/2006 | 21:05
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DivulgaçãoToda vez que Chico Buarque canta que agora é o herói e que seu cavalo só se pronuncia em inglês, como sugerem os versos inaugurais da música João e Maria, reivindica também para Sivuca parte desse heroísmo e metade da responsabilidade sobre o anglicanismo do bucéfalo. Afinal, a canção, que se tornou relíquia da MPB também por obra da versão de Nara Leão, foi escrita a quatro mãos, por Chico e Sivuca. Este último morreu anteontem, aos 76 anos, de um câncer na laringe no Hospital Memorial São Francisco, em João Pessoa, onde estava internado desde o início da semana.

Era paraibano de Itabaiana, cidade a 82km da capital João Pessoa e onde também nasceu Vladimir Carvalho, o cara que fez os filmes O País de São Saruê e Barra 68. Instrumentista, arranjador e compositor, Sivuca fez da sanfona liturgia.

Nascido a 26 de maio de 1930, foi registrado como Severino Dias de Oliveira, embora havia quem insistisse em chamá-lo de Hermeto Pascoal. Confusão típica, providenciada pelo albinismo papai-noelizante de ambos. Eram, isso sim, almas gêmeas os dois galegos. Amigos que se conheciam desde 1950, por ocasião de um encontro na Rádio Jornal do Comércio, em Recife. Mais de uma vez, Hermeto referiu-se a Sivuca como o maior acordeonista de todos os tempos, de todos os lugares, de todos os santos. Em uma palavra: mestre.

Sivuca era ainda Severino quando começou a tocar sanfona, aos 9 anos. Providenciou então a trilha sonora de festivais familiares, sacramentos, batizados e casamentos. O apelido foi prenda de Recife, para onde partiu aos 15 anos e onde começou a pavimentar o caminho que o levaria a gravar cerca de 30 discos e a constituir endereço em cidades como Estocolmo, Nova York, Lisboa e Paris, quartéis-generais do homem e da música, ambos indiferentes a fronteiras, universais.

Do primeiro disco, gravado em 1950 com Humberto Teixeira, vem o primeiro sucesso, Adeus, Maria Fulô, música que seria descongelada pelos Mutantes no fim dos anos 60. Hits vieram mais, Feira de Mangaio entre eles. Composto por Sivuca e pela mulher, Glória Gadelha, tornou-se clássico do forró. A lista prossegue com a já citada João e Maria que fez com Chico e com No Tempo dos Quintais e Cabelo de Milho (as duas em parceira com Paulo Tapajós), entre outras.

E é também de Sivuca um dos mais grudentos arranjos da história do pop: o de Pata Pata, feito sob encomenda para a cantora sul-africana Miriam Makeba, com quem o paraibano trabalhou entre 1965 e 1969. A música seria anos depois regravada pela baiana Daúde, com o mesmo arranjo, colante igual chiclé fresco em sola de sapato.

A carreira internacional seguiu com a participação efetiva de Sivuca, como diretor e instrumentista, no musical Joy, apresentado em Nova York a partir de 1970. Seguiu nos States como guitarrista e arranjador de Harry Belafonte, o rei do calipso jamaicano, o homem que proveu o mundo com a assobiável Day-O (Banana Boat Song). Ainda no exterior, sobretudo na Escandinávia, Sivuca gravou vários discos ao vivo nos quais não cessava de experimentar os limites do acordeão, quando não da guitarra e do violão.

Sivuca foi raridade. Como instrumentista, viveu de testar limites musicais e técnicos. E, também como instrumentista, não abria mão de circular com as credenciais em dia nos bastidores da música pop.




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