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Poder público falha no diagnóstico do câncer
Yara Ferraz
Leonardo Santos
23/10/2016 | 07:00
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André Henriques/DGABC:


“Procurei o ginecologista e ele me disse para fazer ultrassom na rede particular, porque não sabia quando eu conseguiria agendar (pelo SUS). Então, tive de pagar R$ 80”, relata a analista de credenciamento Valquiria da Silva, 33 anos. O caso da moradora de Ribeirão Pires ilustra claramente a situação das mulheres que procuram a rede pública de Saúde da região em busca de diagnóstico para o câncer de mama. Embora estejamos em meio às campanhas relacionadas ao Outubro Rosa, dedicadas à conscientização sobre a doença, ainda há muito a avançar no que diz respeito à estrutura ofertada nas sete cidades, principalmente na marcação de consultas e exames.

Embora jovem, Valquiria sempre se preocupou com o câncer, doença que vitimou fatalmente sua mãe. Ela conta que percebeu a existência de caroço no seio direito em dezembro do ano passado, no entanto, a consulta com o mastologista demorou dois meses para ser agendada. A biópsia para analisar a gravidade do quadro só foi feita em março. “Fiquei assustada, porque o caroço começou a crescer, mas eles (médicos) falavam que era coisa da minha cabeça”. Depois de passar por período de quimioterapia, a moradora de Ribeirão Pires terá de remover a mama em novembro.

“O Outubro Rosa é ótimo para conscientizar as mulheres, no entanto, não há estrutura para receber todas na rede pública”, ressalta o chefe da disciplina de Mastologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Gil Facina.

Entre as sete cidades, há 14 mamógrafos disponíveis para uso pelo SUS, sendo que Santo André e São Bernardo possuem quatro cada, Diadema, São Caetano têm dois cada e São Caetano, Mauá e Rio Grande da Serra contam com apenas um cada.

Quando questionadas sobre a demanda para a realização de mamografia, apenas Mauá assumiu ter fila de espera para o exame: 1.345 mulheres, além de 2.592 para ultrassonografia. Santo André destacou que não dá demanda reprimida e as demais cidades não informaram. Segundo o governo do Estado, foram realizados 75,7 mil procedimentos entre as sete cidades em 2015. Já nos sete primeiros meses deste ano, apenas 46,7 mil pessoas foram submetidas ao exame.

“Na maioria dos casos, se a mulher tivesse um diagnóstico precoce, não necessitaria de quimioterapia e teria melhor chance de cura”, ressalta Facina. O especialista afirmou que chega a atender mulheres que esperaram por até seis meses por uma consulta, tempo que, segundo ele, faz diferença no tratamento. O primordial, conforme o professor da Unifesp, é que o poder público invista na prevenção e não só no diagnóstico.

Nenhuma Prefeitura, tampouco o governo estadual, informaram os investimentos nas áreas de prevenção e tratamento do câncer de mama. Já o governo federal destacou os valores gastos apenas em nível nacional: R$ 599 milhões em 2015.

Conforme a Sociedade Brasileira de Mastologia, a mamografia é indicada para mulheres a partir dos 40 anos, porém quem tem casos do tumor em parentes próximos deve consultar um médico para fazer o procedimento mais cedo. O Ministério da Saúde, por sua vez, recomenda o exame somente a partir dos 50 anos. “Ela (mamografia) tem de ser feita anualmente, no mês do aniversário da mulher. A doença é muito rápida, então, quando a mulher faz o procedimento, a doença já teve seu tempo de duração e até de duplicação”, ressalta Facina.

Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva), o tumor, que é o mais comum entre as mulheres, tem previsão de 57.960 novos casos neste ano em todo o País. Na região, é possível ter ideia da evolução da doença a partir de Santo André, onde houve 39 agendamentos para tratamento do câncer de mama entre janeiro e setembro de 2015 e, no mesmo período deste ano, o número saltou para 145.

Vale ressaltar, conforme Facina, que os números de atendimento não refletem o cenário de incidência da doença. “A maior parte das mulheres que realizam exame e são diagnosticadas foi as que procuraram pelo serviço”, observa sobre o fato de que parcela do público alvo ainda não tem acesso.

A dona de casa Selma Silva, 50, é outro exemplo de demora para conseguir diagnóstico junto ao SUS. “Liguei em janeiro, mas tinha data para mamografia somente em julho”, conta a moradora de Mauá, que também utilizou a rede particular para realizar o exame. Após ser encaminhada para o Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo), na Capital, onde fez quimioterapia até agosto, ela retirou a mama direita no dia 27 de setembro.

Recentemente, estudo realizado pelo A.C. Camargo Cancer Center com 4.527 pacientes mostrou que 40% das mulheres que receberam diagnóstico da doença entre os anos de 2000 e 2010 no centro médico tinham menos de 50 anos. Elas não descobririam o tumor se tivessem seguido a orientação do Ministério da Saúde. Do total de pacientes acompanhadas, 11,4% constataram a doença até os 39 anos e outras 28,7%, entre os 40 e os 49 anos.

PÓS-DIAGNÓSTICO
A lei federal 12.732/2012 determina que, a partir do diagnóstico de câncer, o paciente inicie tratamento no SUS em até 60 dias. Com isso, mulheres que conseguem superar o calvário do agendamento de consulta com especialista e de exames em tempo não costumam enfrentar dificuldades a partir da identificação da doença.

No Hospital da Mulher, em Santo André, são atendidas mensalmente 135 mulheres. Desse total, 10% são diagnosticadas com a doença e encaminhadas para a cirurgia. A Secretaria de Saúde da cidade afirma que 50% dos casos são identificados precocemente.

“Temos números muitos bons, mas estamos em outro mundo. A sobrevida do paciente no hospital é de 85%, índice de países desenvolvidos. O paciente vem com uma lesão suspeita, já faz a biópsia no mesmo dia e já pedimos demais exames, como ultrassom e mamografia, que ficam prontos em 15 dias”, explicou o mastologista do Hospital da Mulher e coordenador do serviço de mastologia do município, Guerino Barbalado Neto.

Em Mauá, 11 mulheres realizaram o procedimento de mastectomia (cirurgia que retira a mama) até setembro do ano passado. Neste ano, o número baixou para três. Cerca de 250 mulheres fazem tratamento para câncer de mama em São Caetano, conforme a Prefeitura.
 

ONG de Sto.André ajuda no resgate da autoestima

A ONG Viva Melhor, situada na Rua Campos Sales, 575, no Centro de Santo André, auxilia mulheres acometidas pelo câncer de mama desde 1999. O espaço oferece, gratuitamente, desde reabilitações física, emocional e até mesmo estética por meio de palestras e doação de próteses e perucas.

Tudo começou a partir da experiência de superação da doença vivida pelas amigas Vera Emilia Chiavelli Teruel e Terezinha Pontes Cipriani. Após terem sido submetidas à mastectomia, elas sentiram a necessidade de compartilhar suas experiências e de ajudar mulheres que passavam pelo mesmo problema. “Aos poucos fomos ganhando espaço e formando o grupo. Hoje, a ONG conta com 60 voluntários e atende 18 mulheres por semana”, comenta Terezinha.

Por meio de doações, realização de bingos e vendas de camisetas, botons e da ajuda de voluntários, a organização confecciona perucas e próteses externas. Em média, são distribuídas 50 próteses e 16 perucas por mês. “A autoestima é essencial e importante para o tratamento. Vemos tantos casos de mulheres que chegam tristes e saem com um sorriso no rosto depois de colocar as perucas e as próteses”, comemora Terezinha.

A dona de casa Selma Silva, 50, passou por mastectomia e revela que o apoio da ONG faz toda a diferença durante o tratamento contra o câncer de mama. “Aprendi que é possível vencer e que precisamos ser confiantes e positivas”, destaca.

A Viva Melhor recebe doações de cabelo para a confecção das perucas. Vanessa Fernanda da Silva, 23 anos, é uma das voluntárias. “Ouvi falar do trabalho por amigos e tive vontade de doar. É tão simples e rápido”, comenta. “A autoestima da mulher é essencial, então é muito bom consegui ajudar.” 




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