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Corrupção está
enraizada em Mauá
Mark Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
16/10/2011 | 07:14
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As irregularidades na dívida ativa de Mauá não ocorreram apenas em 2008 e tampouco somente no governo Leonel Damo (2005 a 2008). Em entrevista exclusiva ao Diário, o chefe da divisão na administração passada, Alcibíades Baesa Júnior, afirma que por trás das fraudes no sistema está amplo esquema de corrupção, que atinge a cidade pelo menos desde 2003, quando Oswaldo Dias (PT) estava em sua segunda gestão no comando do Paço.

O advogado foi nomeado pelo ex-prefeito para chefiar o setor em 26 de janeiro de 2006. "O Leonel me chamou dizendo: ‘Preciso de alguém de extrema confiança na dívida ativa porque há fraude e temos de descobrir'. Havia informação de que estavam vendendo cancelamentos (de débitos) em troca de propina", revela, ao garantir que Damo (que havia assumido a Prefeitura no mês anterior) sabia do caso, ao contrário do que o ex-prefeito afirmou ao Diário na semana passada.

Alcibíades era o responsável pela inserção de dados sobre os contribuintes e por dar baixa nos débitos, e teve sua senha de acesso ao sistema clonada. Ele percebeu a violação após retornar de licença paternidade em 2006. Durante seu afastamento (de 18 a 22 de dezembro), milhares de débitos foram cancelados ilegalmente com a sua senha, em baixas que totalizaram R$ 5 milhões.

Após reativar os lançamentos no início de 2007 (processos administrativos constataram as fraudes), o advogado revela ter sido ameaçado de morte. "Todo mundo sabe quem são (os operadores do esquema de corrupção). Eles estiveram no governo do Oswaldo, ficaram no do Diniz (Lopes, prefeito interino entre janeiro e dezembro de 2005), no do Leonel e continuam", afirma, ao reforçar a existência do crime. "Isso é famoso em Mauá. Saíam uns ‘comerciantes' por aí oferecendo: ‘Olha, tenho jeito de cancelar débito'. Estava enraizado desde antes do Leonel e ainda existe."

Questionado sobre quem são os responsáveis por participar da cobrança de propina em troca de cancelamentos de dívidas, explicou não poder revelar. "Fiz seguro de vida porque telefonaram para mim e disseram: ‘Se você abrir a tua boca você vai morrer'. Se falar, estou morto."

NOME LIMPO - Alcibíades decidiu explicitar o esquema fraudulento na dívida ativa de Mauá após reportagem publicada pelo Diário domingo, em que foi citado como chefe da dívida ativa - como era de fato. "Fiz trabalho estritamente profissional, tenho provas, mas não gostei nada de ver meu nome na imprensa. Se mostra que fui culpado ou não, não importa. As pessoas o vinculam. É uma vergonha."

Já Oswaldo Dias reprovou a atitude do ex-funcionário de Damo. "É ruim quando tem problema concreto e quer envolver outras pessoas. Não podemos aceitar que denuncie, diga que está ameaçado, e depois não indique os culpados. Contribuiria mais se tivesse feito denúncia anônima, mas citando os responsáveis."

 

Oswaldo admite brecha para corrupção

Prefeito de Mauá diz que ‘é da natureza do ser humano querer levar vantagem aqui ou ali'

 

O prefeito de Mauá, Oswaldo Dias (PT), admitiu que a administração possui brechas para que "pessoas má intencionadas que estão na máquina há anos" cometam atos corruptos, mesmo com a vigilância do comando do Executivo. O petista revelou que em sua segunda gestão (2001 a 2004) não só a secretária de Finanças da época, Valdirene Dardin, cometeu irregularidades.

"É da natureza do ser humano querer levar vantagem aqui ou ali. Precisamos estar sempre vigilantes, mas isso não significa que conseguiremos evitar tudo", reconheceu o chefe do Executivo, ao ser informado das declarações de Alcibíades Baesa Júnior, que ligou a origem da cobrança de propina para o cancelamento de débitos da dívida ativa à sua segunda gestão, e que o esquema ainda é executado.

A fala de Alcibíades é embasada por denúncia anônima encaminhada ao ex-prefeito Leonel Damo tão logo ele reassumiu o Executivo, em dezembro de 2005. Na carta, um ex-funcionário do setor de dívida ativa da Prefeitura afirma que "ouviu dizer que desde o governo do sr. Oswaldo Dias tem um esquema de cancelamento de dívidas mediante alguma vantagem" - veja fac-símile ao lado.

O documento informa que funcionários do setor e do processamento de dados negociavam com um devedor o cancelamento da dívida do imóvel de inscrição fiscal 05.001.060, registrado em nome de Cleiton Binhardi.

A denúncia motivou a abertura de sindicância em 13 de fevereiro de 2006. A vigência da investigação interna foi prorrogada por duas oportunidades (em 18 de abril e em 8 de junho do mesmo ano), sempre através de portarias assinadas por Damo - na semana passada o ex-prefeito afirmou "não se lembrar" de casos ilegais na dívida ativa.

A comissão arquivou a apuração em 14 de setembro de 2006. O presidente da sindicância, Elysson Faccine Gimenez (procurador do município), alegou que a troca do cadastro, realizada em 2004, causou a perda de parte do banco de dados municipal, o que prejudicou a investigação e a tornou inconclusiva. Ele sugeriu a contratação de auditoria para uma varredura no sistema. O aval para o convênio foi dado pelo então secretário de Finanças, Lázaro Leão, em 11 de maio de 2007.

INTOLERÂNCIA - Ao ressaltar ser intolerante com casos de corrupção, Oswaldo Dias declarou que "não era só a Valdirene" quem cometia irregularidades em sua segunda gestão. A ex-secretária de Finanças chegou a passar 95 dias na prisão acusada de peculato (apropriação indébita de dinheiro público).

"Demiti quatro ou cinco fiscais envolvidos em denúncias menores. Um facilitou aprovação de planta, outro fez vista grossa para o transporte de entulho. Tinha de multar e não multou. Quando soube, exonerei", recordou, ao admitir que os ex-funcionários cobravam propina. "Por que deixou de multar? Não foi porque simpatizou com o motorista."

 

Dívida dos Yamamoto foi cancelada duas vezes

A dívida de IPTU de terreno de 80 mil metros quadrados localizado no bairro Sertãozinho, registrado em nome dos irmãos Harue e Akira Yamamoto, desapareceu do sistema da Prefeitura de Mauá duas vezes. No domingo, o Diário já havia revelado que, após adesão a lei de renegociação de débitos, o valor do imposto da área baixou de R$ 526,3 mil para R$ 285,6 mil em 17 de dezembro de 2008. Em 2 de janeiro de 2009, foi dada baixa no lançamento com o pagamento de R$ 2.412,47 - recalculada para o exercício seguinte, a dívida já estava em R$ 316,9mil.

Mas a primeira vez que o lançamento desapareceu do sistema foi em 7 dezembro de 2006. Em apenas nove minutos (das 10h13 às 10h22) as dezenas de parcelas mensais de IPTU em atraso desde 1990 foram deletadas com a senha de Alcibíades Baesa Júnior. O ex-chefe da dívida ativa alega que os cancelamentos foram efetuados por outro funcionário enquanto estava fora do setor, e pediu a reabertura dos débitos em 15 de maio de 2007 (veja fac-símile acima).

"Era um valor muito alto. Fiquei três anos em cima desse débito porque as raposas estavam rondando ali", relata o advogado. "A inscrição (27.018.001) zerou, ficou totalmente negativa. Fiquei três anos cuidando do galinheiro, aí esperaram eu virar as costas, sair de férias, para cancelar de novo", diz, já sobre o segundo cancelamento - o ex-funcionário gozou férias em dezembro de 2008 e foi exonerado no dia 31 do mesmo mês.

Em depoimento à Polícia Civil, que abriu inquérito para investigar o caso, os Yamamoto afirmaram ter sido vítimas de golpe, entregando R$ 200 mil em 2008 a uma pessoa que não conheciam para que fosse dada baixa no imposto. Para Alcibíades, este é um caso que evidencia o esquema de pagamento de propina que está enraizado em Mauá.

Em 2009, a Prefeitura reabriu o débito novamente.




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