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A vida no bairro da tríplice fronteira
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
10/10/2011 | 07:30
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Marina Brandão/DGABC

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O Jardim Sônia Maria fica na tríplice divisa entre Mauá, Santo André e os bairros São Matheus e Parque São Rafael, na Capital. Ali, os pouco mais de 9.000 habitantes, muitos deles idosos, conhecem uns aos outros e se chamam pelo nome. Não há trânsito nas ruas tranquilas, mas faltam praças, policiamento e, em alguns dias, ar limpo.

A proximidade com o Polo Petroquímico é apontada como prejudicial por alguns moradores. Caso do vigia Agnaldo de Oliveira, 39 anos, que sofre com as constantes alergias causadas pela poluição. "Hoje mesmo estou com os olhos e a garganta secos e o nariz coçando. E é assim quase todo dia".

O comerciante Fernando Bispo de Souza, 69, concordou com o amigo, mas afirmou que há ainda outros problemas que preocupam os moradores: falta de segurança e Saúde. "Se a gente precisa de um atendimento de emergência, tem que correr para o Centro de Mauá ou de Santo André. Dependendo do trânsito, demora, e isso pode fazer a diferença entre vida e morte".

Os constantes roubos de carros e mesmo de assaltos a pedestres também preocupam. "A mulherada tem que andar de olhos abertos aqui. Se bobear, o ladrão rouba mesmo", afirmou Souza. No bairro há apenas um posto da Guarda Civil Municipal. Moradores cobram a instalação de uma delegacia.

Apesar de afastado do Centro, o bairro conta com o Terminal de Ônibus Sônia Maria, de onde se pode viajar para qualquer uma das três cidades: Mauá, Santo André e São Paulo. Para o técnico em eletrônica Claudemir Rodrigues do Amaral, 48, esta é a vantagem de se morar no local. "O acesso a outros bairros é facilitado pelo terminal". Porém, Amaral não é só elogios: para ele, faltam áreas de lazer e praças para a população. 

PLANTAÇÃO
Uma das poucas áreas é um terreno particular rodeado de árvores onde um grupo de amigos faz questão de manter uma pequena horta há 30 anos. De facão na mão, os aposentados Edson Isabel dos Santos, 57, Amálio Trajano Romeiro, 57 e Arlindo Batista de Miranda, 60, garantem verdura fresquinha no prato dos que moram na Rua Calil Filho. "Aqui se planta de tudo: alface, almeirão, couve e outras verdurinhas. O que plantar, cresce", disse Amálio.

A esposa de Romeiro, Lúcia Costa, 59, aproveita a CW-1horta para ter sempre comida de qualidade e sem agrotóxicos na mesa. "O que falta a gente compra em Santo André, porque aqui nem supermercado tem. E os mercadinhos que têm são careiros".

Apesar disso, Lúcia não reclama do bairro onde vive. "Criei meus filhos nesta tranquilidade, com brincadeiras na rua, sem preocupação". Ela e muitas outras famílias que não deixam o Jardim Sônia Maria por nada.

 

Biblioteca do bairro reúne acervo com mais de 6.000 livros 

Um muro de pequenos ladrilhos coloridos esconde o jardim que dá as boas-vindas ao cantinho da leitura. Ali se pode encontrar desde obras de pensadores como Nietzsche e Kant até clássicos da literatura infantil como O Rei Leão. O Círculo de Cultura Paulo Freire, no Jardim Sônia Maria, em Mauá, conta com acervo de mais de 6.000 livros e é mantido por meio de doações e parcerias há oito anos.

O espaço é da Prefeitura e, para ter direito ao empréstimo de livros, é necessário carteirinha. Mas não precisa morar no bairro, conforme explicou a auxiliar administrativa da biblioteca Dulcinéia Gonçalves de Souza, 48 anos. "Temos gente de Mauá, mas também de Santo André e São Paulo que vem ler ou pegar os livros emprestados".

Dulcinéia lembra bem da época em que a biblioteca foi inaugurada. "Havia fila na porta para fazer a carteirinha e pegar livros. Isso daqui vivia cheio de gente de todas as idades, da criança ao idoso".

Na era da internet, porém, a auxiliar lamentou que pouquíssimas crianças ainda visitem bibliotecas. "O computador facilitou, mas não existe nada como o cheiro do livro, o espaço destinado para leitura", opinou. Há ainda os frequentadores fiéis, que são chamados pelo nome.

Recentemente a biblioteca foi renovada graças à parceria com o Instituto Ecofuturo. Ganhou mesinhas e cadeiras coloridas para a criançada, além de tapetes com motivos de lua e estrelas para embalar as viagens literárias da garotada. O próximo passo é marcar visitas de estudantes para conhecer ou retornar ao círculo cultural. "O espaço é da comunidade e precisa dela", garantiu Dulcinéia.

 

Entre Mauá e Santo André, irmãs dão nomes a bairros 

Sonia Maria é o nome de uma das três filhas do engenheiro Raul Ferreira de Barros, que loteou o Jardim Sonia Maria na segunda metade da década de 1950 e iniciou a venda de lotes em 1959. Eram lotes populares e menores que o de outro loteamento de sua autoria, o Jardim Ana Maria, este em Santo André, cujas vendas começaram em abril de 1957. Ana Maria, outra filha do loteador, a exemplo de Silvia Maria, do bairro do mesmo nome, também em Mauá, com vendas a partir de 1961.

Os três bairros são fruto da explosão urbana e demográfica do Grande ABC dos anos 1950, conforme nos declarou Raul de Barros em 1984, no seu escritório no Centro de Santo André. Ao abrir o Jardim Ana Maria, o loteador planejou fazer um loteamento fino, semelhante aos bairros City de São Paulo, coisa rara em termos regionais à época.

"Tenho lotes para vender até hoje no Ana Maria", dizia o engenheiro Raul de Barros, acrescentando: "A região operária não comportava um loteamento daqueles, com lotes tão grandes". Daí porque, ao abrir o Sonia Maria, e depois o Silvia Maria, o loteador projetou lotes pequenos, mais populares.

Historicamente, Sonia Maria e os bairros vizinhos ocupam área da legendária Fazenda Oratório, já registrada no século 19. Neste trecho existiu a experiência da Fazenda da Juta, idealizada por Nestor de Barros, pai de Raul de Barros, e que funcionou em boa parte da primeira metade do século passado.

Jardim Sonia Maria cresceu ao redor do Polo Petroquímico e a urbanização estendeu-se pelas décadas de 1960, 1970 e 1980, quando ainda eram várias as ruas de terra batida. A partir da década de 1990, o bairro urbaniza-se. E depois submete-se a um programa de mutirão subvencionado pela Prefeitura: moradores eram pagos para manter as ruas do bairro limpas; guias e troncos de árvores pintados; entulho retirado. (Ademir Medici)




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