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CD traz o melhor do jazz feito para o cinema
Joao Marcos Coelho
Especial para o Diário
05/02/2000 | 16:11
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É raro quando um artista consegue unir com total êxito duas linguagens musicais distintas: a do jazz e a das trilhas sonoras de filmes. Pois é isso que o trompetista Terence Blanchard, 38 anos, faz de modo notável em Jazz in Film (Sony, R$ 20 em média), um CD de fabricaçao nacional que agrada tanto os aficionados por cinema, quanto os fanáticos pelo jazz e pela boa música instrumental.

E a razao é simples e inovadora. Blanchard nao se limitou a desfilar grandes temas de filmes, embora tenha convocado muitas cordas e uma orquestra completa para fazer o pano de fundo de seu admirável sexteto de jazz. Ele transforma cada um dos nove temas em motivos para a prática da melhor música, ora jazzística, ora mais romântica, e aparentada ao universo das trilhas sonoras.

O trompetista, nascido em New Orleans, substituiu seu conterrâneo Wynton Marsalis em 1982 no lendário Jazz Messengers, do baterista Art Blakey. Desde entao, vem construindo uma carreira diferente da de Marsalis. Enquanto esse se atém profundamente às tradiçoes jazzísticas e se considera um missionário numa guerra santa pela pureza do jazz (o que nao invalida o fato de ele ser um músico genial e o mais importante desta virada de século), Blanchard segue trilha própria. Gravou inclusive com o compositor brasileiro Ivan Lins, em 1995, e naquele mesmo ano foi seduzido pelo cineasta Spike Lee, participando da trilha de Mais e Melhores Blues (Mo`Better Blues, 1990). Estimulado por Lee, compôs a trilha de seu filme seguinte, Irmaos de Sangue (Clockers, 1995), e é esta a faixa que conclui Jazz in Film.

O germe deste CD estava, portanto, lançado há pelo menos cinco anos. E impressiona o entendimento de Blanchard do universo específico da trilha sonora. Tudo começou com a música clássica, que entrou no cinema pela porta da frente. Ao jazz, restaram sintomaticamente as tramas de gângsteres, drogados e afins. Os modelos eram nomes como Sergei Prokofieff e Dmitri Shostakovich, dois compositores eruditos, e a linguagem, a da música sinfônica romântica, com destaque para outro russo, Tchaikowsky.

Os grandes nomes da música de cinema, como Alex North, Bernard Herrmann, Jerry Goldsmith, Elmer Bernstein, Mikos Rosza, John Williams e John Barry, entre outros, imitaram a linguagem da música clássica, construíram suas lendas e ganharam bom dinheiro em Hollywood.

O jazz só entraria pra valer nesse círculo a partir dos anos 50, quando criadores como Duke Ellington, André Previn e Quincy Jones, entre outros menos votados, foram convidados a compor para o cinema (até entao, os músicos de jazz apareciam distorcidos na tela).

Vale a pena um passeio pelas nove faixas. O disco abre com a bela música de Alex North para Uma Rua Chamada Pecado, filme de 1951 de Elia Kazan. Blanchard combina sabiamente uma abertura dita de época com um denso miolo de jazz moderno da melhor qualidade, ao lado de nomes como Joe Henderson (sax-tenor), Donald Harrison (sax-alto), Steve Turre (trombone), Kenny Kirkland (piano), Reginald Veal (contrabaixo) e Carl Allen (bateria). Atençao para o excelente improviso de Blanchard, que conclui citando a profissao de fé no swing, um clássico eterno de Ellington, It Don`t Mean a Thing If It Ain`t Got That Swing; e, em seguida, o excelente Steve Turre cita, num belo improviso ao trombone, outro clássico, desta vez It Ain`t Necessarily So de Gershwin.

É enorme a riqueza e diversidade do universo das trilhas sonoras - ao menos daquelas escolhidas com o critério que Blanchard se impôs. Exemplos: a música de Elmer Bernstein para O Homem do Braço de Ouro, filme de Otto Preminger de 1955, onde Sinatra vive um viciado em heroína; o contido e estupendo solo de Joe Henderson em Taxi Driver, de 1976, música de Bernard Herrmann para o filme de Martin Scorsese no qual Robert De Niro brilha como nunca; as duas trilhas assinadas por Duke Ellington, Anatomia de Um Crime, outro clássico de Preminger de 1959, e a trilha para o documentário inacabado sobre as pinturas eqüestres do pintor impressionista francês Dega`s Racing World.

Nao precisaria mais nada, mas ainda tem Chinatown, do filme de 1974 com Jack Nicholson, com um maravilhoso improviso do pianista Kenny Kirkland, aliás um destaque entre todas as faixas (esta gravaçao, de abril e maio de 1998, foi uma de suas últimas, pois Kirkland, aos 44 anos, foi encontrado morto, por overdose, em seu apartamento de Manhattan, em 13 de novembro de 1998). Há ainda O Homem do Prego, filme de 1965 com Rod Steiger, cuja música é assinada por Quincy Jones. E um exemplo de como o atual maestro e pianista clássico André Previn (ex-Mia Farrow) era bom na pele de pianista, compositor de jazz e autor de trilhas sonoras: o filme Subterrâneos da Noite, de 1960, com Leslie Caron (vale o registro: segundo conhecedores, o filme é péssimo, mas a música é ótima).




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