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Admirável mundo velho
Carla Navarrete
Do Diário OnLine
30/03/2009 | 07:00
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Você é do tempo em que viatura de polícia era chamada de radiopatrulha, salário era o ordenado do mês e alguém que importunava muito era mandado pentear macaco? Essas e outras expressões 'do tempo do Onça' são o tema de Admirável Mundo Velho (Editora Globo, 392 págs., R$ 37,90), de Alberto Villas, que acaba de ser lançado.

Segundo o autor, a ideia para o livro surgiu de um de seus trabalhos anteriores, O Mundo Acabou! (2006), em que já resgatava coisas do passado, como os vendedores de enciclopédia. "O livro fez tanto sucesso que resolvi falar também das gírias e expressões que foram sumindo com o tempo", diz.

O trabalho é um apanhado de deliciosas crônicas permeadas de nostalgia, que o autor foi juntando ao longo de sua própria trajetória. "Não é um livro de pesquisa e, sim, de memórias, mas, claro, com umas pinceladas de pesquisa", diz Villas. "Ouso dizer que os livros dele inauguraram uma nova modalidade na literatura brasileira: o ‘memorialismo lúdico', porque lembrar é como brincar", escreve o jornalista Fábio Altman na apresentação do volume.

Assim, em um capítulo o autor explica como a expressão 'até aí morreu Neves' surgiu da morte de um assessor do padre Feijó no século XIX, enquanto em outro trecho narra quando seu pai reunia todos os filhos para tirar uma foto e anunciava: "olha o passarinho!".

Villas contextualiza todas as histórias com sua respectiva época, contando, por exemplo, que a filha de Carlos Drummond de Andrade juntava recortes das "meninas da revista Fon-Fon" e dos "brotinhos da (revista) O Cruzeiro".

Segundo Villas, o livro foi escrito sem a preocupação de dar a origem exata das expressões, porque, para ele, "elas não têm muita explicação mesmo". "O que tem a ver falar que alguém é um ‘chato de galocha?' Ou que o filme ‘é um abacaxi?'. Acho que 90% das pessoas gostam da fruta, então, por que virou sinônimo de algo ruim?", questiona.

Já a professora especialista em linguística Leda Cecília Szabo, da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), afirma que as gírias e expressões geralmente surgem a partir de associações e imagens. "Essa é a nossa forma de nos relacionar com o mundo, de aprender, de pensar. Como quando associamos características físicas ou psicológicas a animais, por exemplo, falando que o rapaz ‘é um gato' ou que minha sogra é ‘uma víbora'", diz.

Outra origem se dá por meio de idéias, substituindo uma palavra por outra cujo significado tenha relação com a primeira. "Como chamar alguém de ‘cabeça' querendo dizer que a pessoa é inteligente."

Segundo Leda, as expressões deixam de ser usadas quando refletem as mudanças de uma sociedade, como com o termo "esticar o cabelo", presente no livro de Villas, que pode ser adaptado para o nosso atual "fazer chapinha". Além disso, um indivíduo também pode usar essa ou aquela gíria de acordo com sua idade ou status. "Geralmente ninguém que fale que algo ‘é mó da hora' tem mais de 30 anos, principalmente se já galgou certa posição social", completa a professora.

Por isso é que não se ouve mais a expressão 'ô de casa', já que a maioria das residências tem campainha ou as pessoas moram em apartamentos, ou alguém pedindo para 'olhar o leite senão vai ferver'.

Com a rapidez dos meios de comunicação, as gírias desaparecem mais facilmente, variando com o que está em moda no momento. Há um ano, todos os brasileiros repetiam as frases do Capitão Nascimento em "Tropa de Elite". Hoje, ficou datado.

Trecho
"Assim que Fidel Castro tomou o poder em Cuba no finalzinho dos anos 50, um boato começou a correr nas ruas de Belo Horizonte. O comunismo estava se alastrando pela América do Sul e logo, logo, se a tradição, família e propriedade não saísse às ruas para alertar a população do perigo vermelho a coisa ia ficar preta (...). O meu pai nos consolava dizendo que, do jeito que o nosso país era uma bagunça, se o comunismo chegasse seria desmoralizado e decapitado em poucos dias.

- Vão começar a vender essa cartilha, vão falsificar a idade dos filhos e ninguém vai aceitar pobre para dividir a casa. Se o comunismo vier pra cá, o brasileiro acaba com ele na marra.(...)

- O regime de Fidel Castro está mandando matar todos os filhos caçulas de cada família! Quem afirmava isso categoricamente era minha tia, a segunda mais reacionária do pedaço. Raciocinei rapidinho e cheguei à conclusão que o meu pai, o mais novo dos seis irmãos, e minha irmã, que acabara de nascer, seriam levados ao paredão(...). Isso me tirou o sono durante muitos dias. (...)

O tempo foi passando, o comunismo não chegou ao nosso país, ninguém foi eliminado sumariamente e o meu pai passou a vida inteira orgulhoso daquela menina de olhos azuis tão linda:

- Essa é a raspa do tacho!"




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