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Governo estadual sucateia área cultural em SP
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
10/11/2004 | 10:23
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O governo do Estado de São Paulo ainda não tem política cultural, pouco prestigia o Grande ABC em seu orçamento e sucateia sua Secretaria da Cultura. Enquanto a secretária da Pasta, Cláudia Costin, discute o encaminhamento da criação de uma nova lei de incentivo, o projeto de lei que criaria o Fundo Estadual de Arte e Cultura (previsto em R$ 100 milhões), pronto desde 2003, não é colocado em votação na Assembléia Legislativa pelo Executivo. O orçamento destinado à área em 2005, previsto em R$ 264 milhões, ou cerca de 3,8% da arrecadação estadual, sinaliza a falta de importância dada pelo governo estadual à cultura.

Segundo o Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais, a Secretaria da Cultura passa por "sucateamento" que teria começado em 1995, no governo Mário Covas, e continuado até 2002. "Existem cerca de 350 pessoas concursadas ou efetivadas na Secretaria. Até junho deste ano, deveria ter reduzido o número de funcionários precarizados - autônomos prestadores de serviço ou contratados por projeto - de 2 mil para mil. Isso era o que constava no termo de compromisso firmado entre a Secretaria da Cultura e o Ministério Público do Trabalho. Acho que o encaminhamento que será dado será a criação de organizações sociais que seriam contratadas pelo Estado para prestar serviço público e gerenciar equipamentos (teatros, museus etc.). A semântica é engraçada, pois, na prática, é a terceirização do servidor público", afirma Tarcisio Geraldo Faria, secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais e funcionário da Secretaria de Cultura.

Do orçamento da Pasta - previsto em R$ 264 milhões - R$ 28 milhões são para suporte administrativo (pagamento de salários, manutenção de prédios públicos, aluguéis), R$ 17 milhões para manutenção da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), que cobra ingresso na Sala São Paulo, e R$ 112 milhões para a TV Cultura. "Mal sobra para fomento", diz Vicente Cândido (PT), deputado estadual que assina o projeto de criação do Fundo, debatido, discutido e proposto por 28 entidades culturais, como a ABD (Associação Brasileira de Documentaristas) e Cooperativa Paulista de Teatro.

As nove Fábricas de Cultura, centros culturais que teriam verba do Banco Mundial, devem ser construídas apenas na periferia da cidade de São Paulo, cinco delas previstas para 2005. No Mapa Cultural, prêmio estímulo anual dado pelo Estado, são as prefeituras que acabam bancando a inclusão de artistas da região. O Grande ABC recebeu o Projeto Guri - música para crianças em parceria com prefeituras -, que existe desde o ano passado em São Bernardo e que começou neste semestre em Santo André. Para continuar, no entanto, depende de patrocinador. O projeto São Paulo, um Estado de Leitores não está previsto no orçamento, nem ações de preservação do patrimônio.

No último dia 15 de outubro, artistas fizeram um ato de protesto pela ausência de política cultural no Estado e a favor da criação do Fundo de Cultura. "Existe uma mentalidade mercadológica na Secretaria de que cultura é mercado e o mercado resolve tudo. A cultura se reduziria a mercadoria de entretenimento. Cultura não é eventual nem objeto a serviço de governos que vem e vão. A Secretaria da Cultura deve se colocar a serviço da sociedade e não colocar a sociedade a serviço do governo de plantão", diz Luiz Carlos Moreira, autor e diretor teatral do Engenho Teatral, um dos articuladores do projeto do Fundo Estadual de Cultura.

Para ele, o Estado deve fomentar a produção cultural e a função do Fundo seria essa: "Defendemos nesse projeto que a distribuição de recursos deve ser feita por concorrência, projetos seriam avaliados e teriam de ter interesse público. A diferença é que a aprovação só se daria para projetos que tenham continuidade. Ao Estado caberia avaliar a qualidade do projeto e apontar um caminho - que não seja estético nem político. Queremos um Fundo que seja estruturante, e não um grande INSS cultural fazendo assistência social. Somos contra pegar dinheiro simplesmente e distribuir recursos."

Segundo o diretor, os R$ 100 milhões do Fundo seriam divididos entre todas as áreas culturais (teatro, música, cinema, vídeo, literatura etc.), proporcionalmente distribuidos em função de cada região do Estado e entre municípios que tenham programas próprios de incentivo, para fazer dobradinha com o Estado. "Não é dinheiro para prefeitura fazer festinha", afirma Moreira.

Área estratégica - Cultura não é apenas espetáculo e diversão. É uma área estratégica e tem peso econômico importante para o país. No Brasil, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Cultura à Fundação João Pinheiro em 1997 - o mais abrangente feito até hoje -, a produção cultural movimentou no país cerca de R$ 6,5 bilhões, o que, na época, correspondia a 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Em 1994, a cultura empregava 510 mil pessoas, considerando-se todos os seus setores e áreas, um contingente 90% maior do que o empregado pelas atividades de fabricação de equipamentos e material elétrico e eletrônico; 53% superior ao da indústria automobilística, de autopeças e fabricação de outros veículos e 78% maior do que o empregado em serviços industriais de utilidade pública (energia elétrica, distribuição de água e esgoto). Ou seja, enquanto a tecnologia tira postos de trabalho, a cultura é área de forte geração de empregos.

De acordo com o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), divulgado no início deste semestre, o comércio mundial de bens culturais (cinema, fotografia, rádio e televisão, revistas, música, literatura e artes visuais) quadruplicou em quase duas décadas, passando de US$ 95 bilhões em 1980 para mais de US$ 380 bilhões em 1998. O relatório do Pnud cita os casos de Brasil e Argentina, que têm tido êxito na concessão de subsídios à produção e de reduções fiscais para a indústria cultural - sem interromper os fluxos de produtos artísticos do exterior para mercados locais.

Isso se deve sobretudo às leis de incentivo - federais, como Rouanet e Audiovisual, e municipais, como a de Santo André - que incentivam empresas privadas a patrocinarem produções culturais mediante renúncia fiscal de Imposto de Renda (federal) ou de ISS e IPTU (municipais), por exemplo. Santo André, que criou a Lei Municipal de Incentivo Fiscal há cinco meses, já recebeu 38 projetos. Destes, 15 foram aprovados, sendo que um deles, o espetáculo Blasted, de Sarah Kane, com a atriz andreense Joana Mattei, já estreou na cidade e cumpriu temporada em São Paulo. Outros quatro estão em fase de conclusão de captação. A Cinemark, rede norte-americana de exibidores de cinema, está interessada em apoiar um desses projetos e, até o fim do ano, deve definir qual.

Impasse - Já o Fundo Estadual vive um impasse. Pelo menos 68 deputados apóiam o projeto e são necessários 46 votos para aprovação. Dependia exclusivamente do Executivo para ser encaminhado à votação na Assembléia Legislativa. "Protocolamos projeto, conversamos com a secretária em 2003 e, no início deste ano, antes, durante e depois do projeto, abrimos mão da autoria, fizemos reunião com todas as áreas e a Secretaria assumiu de mandar para a Assembléia. Mas isso não ocorreu", diz Vicente Cândido.

A secretária Cláudia Costin não deu retorno ao Diário. Sua assessoria de imprensa respondeu que a situação dos servidores irregulares deve ser solucionada mediante a criação das organizações sociais. Com o Projeto Guri, a região estaria ganhando mais ações culturais do Estado. Sobre o Fundo, afirmou que é uma iniciativa "incensada pelo deputado Vicente Cândido". Ela (a secretária) falará com a imprensa assim que definir como será a lei de incentivo à cultura que a Secretaria está elaborando.




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