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Caso Celso: esposa diz que testemunha mentiu
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
11/02/2004 | 22:49
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O assaltante de bancos Dionísio de Aquino Severo teria inventado a história de que participou do seqüestro do prefeito Celso Daniel, em janeiro de 2002, para ser colocado em uma cela segura e não ser morto por grupos rivais. Essa é a versão que Sandra dos Anjos, 34 anos, mulher de Dionísio, disse ter contado aos promotores que investigam o caso Celso Daniel. Para Sandra, Dionísio não teve qualquer participação na ação de arrebatamento do prefeito. “Eu falei isso para os promotores, mas eles não acreditaram em mim.”

Dionísio fugiu de helicóptero do presídio Parada Neto, em Guarulhos, no dia 17 de janeiro de 2002, um dia antes de Celso ser seqüestrado. Preso, ele disse ao então delegado Romeu Tuma Júnior que havia sido retirado da prisão para contratar a quadrilha da favela Pantanal, cujos integrantes seqüestraram e executaram o prefeito. Dionísio foi morto a estiletadas no Centro de Detenção Provisória do Belém no dia 10 de abril de 2002.

A mulher de Dionísio ficou presa oito meses (de 8 de abril a 20 de novembro de 2002) na Penitenciária Feminina do Carandiru, por ter abrigado o fugitivo. Diz que foi muito humilhada, passou por rebeliões e correu risco de vida.

Hoje, Sandra tenta reconstruir sua vida. Ela faz um curso de cabeleireira e vive com dificuldade em uma casa simples no chamado triângulo da morte, região de São Paulo cortada pelos bairros de Capão Redondo, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio.

Sandra tinha 14 anos quando conheceu Dionísio no coreto de uma praça de Santo Amaro. Ele estava de motocicleta e ela apaixonou-se no momento em que o viu. A relação durou 18 anos. Eles tiveram dois filhos. Ela tinha duas casas, mas precisou vender um dos imóveis para pagar advogado, “senão a gente não sai da cadeia”.

Sandra negou-se a dar uma entrevista formal ao Diário. Ela quer esquecer o caso e pretende ficar longe do assédio da imprensa. O Diário esteve na segunda-feira em sua casa. Ela não se encontrava. Foi deixado um telefone de contato. Na terça-feira à tarde, Sandra ligou para o jornal e conversou durante 20 minutos com o repórter.

Nesta quarta, o Diário voltou a procurá-la em sua casa, mas Sandra estava irredutível. Negou-se a gravar a entrevista e posar para fotos.

O que se publica a seguir é o resultado da conversa informal que ela manteve por telefone na terça-feira à tarde. Leia:

DIÁRIO – A sua mãe disse que vocês enfrentaram problemas com a família e vizinhos, depois de tudo que aconteceu.
SANDRA DOS ANJOS – É verdade, mas ninguém paga as minhas contas. Não me interessa o que parente ou vizinho pense. Eu preciso pensar nos meus filhos, na minha vida. Estou reconstruindo tudo. Para melhor. Quero uma vida nova para mim. Vou casar novamente.

DIÁRIO – O seu namorado trabalha?
SANDRA – (rindo) Trabalha, trabalha, sim. Graças a Deus! Eu falei que agora, depois do que aconteceu, eu vou pedir antecedentes criminais antes de começar a namorar. Já chega eu que sou um BO (boletim de ocorrência).

DIÁRIO – Você está aprendendo uma profissão. É um curso de cabeleireira?
SANDRA – Isso mesmo. Já estou cortando cabelo. Se Deus quiser, já começo a trabalhar. Você sabe que é difícil arrumar emprego. Na sexta-feira, vou cortar cabelo de uns militares aí.

DIÁRIO – Cuidado, hein, não vai ficar presa de novo.
SANDRA – (rindo) Não, não, chega de passar humilhação. Se você soubesse o que eu passei por causa daquele f.d.p. (Dionísio). Fiquei presa no Carandiru, passei fome, frio, fiquei sem tomar banho. Minha família indo lá me ver. Ele está morto, mas era um f.d.p. Se ainda estivesse vivo, eu ia matar ele com o meu olhar. Eu era a Amélia dele. Sabe a Amélia? Era eu.

DIÁRIO – Essa história de Santo André, que ele teria planejado o seqüestro do Celso...
SANDRA – Os promotores me perguntaram isso, só que eu falei para eles (os promotores) que nunca ouvi o Dionísio falar disso. Nem uma vez. Ia sempre vê-lo na cadeia, levava meus filhos, e ele nunca me disse nada. Se eu soubesse, falava. Não custa nada. Ele já está morto mesmo.

DIÁRIO – De onde você acha que veio essa história? Por que ele iria inventar isso?
SANDRA – No meu particular, acho que ele não estava envolvido. O Dionísio pilantrou (enganou) muita gente por aí. Tinha muita gente querendo pegar ele. No meu entender, acho que ele falou aquilo para pedir seguro. Ele sabia que ia dançar quando fosse preso. Sabia que ia morrer. Ele morreu por ser cagüeta. Não sei quem ele cagüetou, mas todo cagüeta acorda com a boca cheia de formiga.

DIÁRIO – Você disse isso para os promotores?
SANDRA – Falei, mas eles não acreditaram em mim. Os promotores me mostraram fotos dessa história de Santo André. Fiquei surpresa. Ele nunca me falou dessas coisas. Agora eu quero mais esquecer disso tudo. Não me interessa mais. Ele (Dionísio) não deixou nem pensão para os meus filhos. Essa história toda quem conta é o (Aílton) Feitosa (o preso que escapou junto com Dionísio do presídio de Guarulhos).

DIÁRIO – Você conheceu o Feitosa?
SANDRA – Eu só vi o Feitosa no dia da fuga. Eu recebi a notícia pela TV e pouco depois tocou o telefone. Era o Dionísio, me pedindo para ir buscá-lo. Ele estava na casa de uma tia dele, que mora em uma quebrada. Fui de carro lá. Peguei o Dionísio e a gente foi embora.

DIÁRIO – Para onde vocês foram?
SANDRA – Isso, meu amigo, eu não conto, não conto mesmo.

DIÁRIO – Mas e o Feitosa, você falou com ele?
SANDRA – Conheci rapidamente. Esse Feitosa...ele tem uma cara assim de tarado, de psicopata. Se falei meia dúzia de palavras com ele, foi muito. É o estilo das pessoas com quem o falecido (Dionísio) costumava andar. Foi o Feitosa quem contou essa história de Santo André. Eu não ouvi nada. Peguei o Dionísio e a gente saiu em seguida.

DIÁRIO – Quem ajudou o Dionísio a fugir foi um filho dele. Ele teve outras mulheres além de você?
SANDRA – Teve. A minha melhor amiga era a amante dele. Eu não sabia. Todo mundo na cadeia sabia, só eu que não. Sabe aquela história? Eu era a única. Ela está foragida agora.

DIÁRIO – Quanto tempo você ficou na cadeia?
SANDRA – Oito meses, de abril a novembro. Passei muita humilhação, passei fome, enfrentei rebelião, fiquei sem tomar banho, minha família indo lá para me ver...Achei que ia passar o Natal presa. Entrei em parafuso. Precisei vender uma casa para pagar advogado, senão a gente não sai de lá.

DIÁRIO – Você aguarda julgamento?
SANDRA – Aguardo, mas quero tocar a minha vida, deixar tudo isso para trás. Esse é o meu ano, o ano que vou começar com o pé direito.

DIÁRIO – Você tem medo de morrer?
SANDRA – Eu sou neutra, mas tenho medo sim, tenho medo de morrer.




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