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Filme 'As Invasões Bárbaras' dosa idéia e emoção
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
30/10/2003 | 20:49
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Montreal, Canadá, 9h30. Uma mãe liga para o filho, que está em Londres, Inglaterra, onde são 14h30. O pai do rapaz, de quem ela se separou, está com câncer. Ela chama o filho para ajudá-la a cuidar do pai, intelectual de esquerda e mulherengo incorrigível. O filho vai, embora as rusgas do passado ainda não tenham cicatrizado.

Depois de abrir a 27ª Mostra BR de Cinema, As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares, Canadá/França, 2003), de Denys Arcand, estréia nesta sexta-feira no circuito paulistano. À primeira vista, o longa-metragem trata de um assunto já bastante explorado, e que freqüentemente cai na pieguice mais rala – um pai moribundo em torno do qual se reúnem familiares e amigos na tentativa de mitigar seu sofrimento. Mas vai muito além.

O filme, que se vale de personagens de O Declínio do Império Americano (filmado por Arcand em 1986), discute utopias, capitalismo, globalização, religião. Mostra um Primeiro Mundo sucateado pela falta de ética e corrompido pelo dinheiro que quase tudo compra, incluindo consciências, mas não em todos os casos.

O hospital em que Rémy (Rémy Girard) permanece internado é um símbolo do caos. Atendimento nos corredores, burocracia infernal. Filho de Rémy, Sébastien (Stéphane Rousseau) mantém desavenças ideológicas com o pai. Apesar disso, não mede esforços – nem regula cédulas – para proporcionar um tratamento melhor ao pai. Desarma rígidas normas sindicais, que parecem mesmo à espera de alguém que ofereça algo, em espécie, em troca da capitulação.

Carregando sempre o laptop e o celular, Sébastien enriqueceu trabalhando no mercado de ações. Saca dinheiro da carteira como quem leva comida à boca. É o típico representante do capitalismo financeiro – antítese do pai, professor de História que militou na contracultura, em movimentos de contestação à ordem vigente.

Em determinado momento Sébastien pede socorro à viciada Nathalie (Marie-Josée Croze), filha de uma das ex-amantes de Rémy. Por sugestão de um médico norte-americano, o filho quer acrescentar heroína ao tratamento do pai, que assim sofreria menos. Do relacionamento que se forma entre Rémy e Nathalie vêem à tona os momentos existenciais do longa – uma discussão humana, sem mocinhos nem bandidos, sobre o sentido da vida.

Não faltam reflexões históricas sobre o 11 de setembro de 2001 (os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono) e sobre o maio de 1968 (a rebelião estudantil na França). Nem uma divertida comparação entre massacres no século XX e aos índios norte-americanos. Tampouco uma revisão de “ismos” como o maoísmo.

O filme levou os prêmios de melhor roteiro (para Arcand) e de melhor atriz (para Marie-Josée) No Festival de Cannes, neste ano. Além de bem-humorados, os diálogos são ágeis e incisivos. As Invasões Bárbaras não vai mudar a história do cinema, mas é um ótimo filme, que une o pensamento à emoção – esta, representada tanto pelo riso quanto pelo umedecer dos olhos.




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