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Dependência de álcool aumenta entre as mulheres
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
26/10/2009 | 07:03
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O número de mulheres que atualmente buscam tratamento contra o vício do álcool é o mesmo que o de homens. O dado é de um estudo feito pelo AA (Alcoólicos Anônimos) nos 206 grupos existentes na Região Metropolitana de São Paulo, dos quais 17 ficam no Grande ABC. Na região, a proporcionalidade entre mulheres e homens que buscam ajuda é a mesma.

Segundo o AA, há cinco anos, os grupos tinham cinco homens para cada duas mulheres. Na opinião de especialistas, o aumento da procura de mulheres por tratamento é reflexo da maior inserção do sexo feminino no mercado de trabalho. Outros fatores são estresse, problemas conjugais e depressão. "O movimento de emancipação feminino trouxe incontáveis benefícios, mas o alcoolismo veio junto", comenta Lívia Lopes, psicóloga especialista em dependência química em mulheres.

BEBEM ESCONDIDO - Segundo a coordenação do AA, há muitas mulheres que bebem escondidas do marido e da família. "Essa é uma das situações mais difíceis de serem controladas. Muitas vezes o marido não tem ideia de que a sua esposa bebe. Elas inventam desculpas, como enxaqueca ou dores de cabeça, mas na verdade estão bêbadas", diz uma conselheira do AA, que pediu para não ser identificada.

O tratamento no AA não é ligado a nenhuma seita ou religião. Eles utilizam a filosofia da irmandade e usam os 12 passos criados pelos americanos William Griffith e Bob Smith, em 1935. O primeiro passo é o único que tem a palavra álcool: "Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas."

Para a psicóloga Lívia Lopes, o AA é importante para manter a sobriedade dos pacientes. Mas a procura por profissionais de medicina, como psicólogos e psiquiatras, é importante para a recuperação. "O alcoolismo é uma doença e precisa ser tratado com remédios e terapias. O AA complementa o processo", analisa.

"O álcool se tornou uma obsessão para mim. Eu era refém do copo. Escondia garrafas pelos cômodos da casa. Depois, perdi a vergonha e ia beber nos botecos perto da minha casa em Mauá", conta uma técnica de enfermagem de 53 anos, que pediu para não ser identificada. Ela consumiu bebidas alcoólicas por seis anos e meio e está em recuperação. Há nove anos, vai às reuniões do AA. "Para a mulher é mais difícil, porque é mais compulsiva", acredita.

Mãe e filha ficam viciadas em álcool

O drama do alcoolismo uniu mãe e filha na luta contra a doença. Mariana, 53 anos, e Márcia, 33 - ambos nomes fictícios, usados na reportagem a pedido delas -, se tratam no AA (Alcoólicos Anônimos). A mãe procurou ajuda há nove anos. A filha, há cinco.

Mariana, que além de Márcia tem mais dois filhos, começou a beber escondido da família, em casa. A separação do marido, após 26 anos de casamento, piorou a situação. Por seis anos e meio, o copo se tornou seu maior companheiro. Ela pediu demissão do hospital onde era enfermeira e ficava o dia inteiro nos bares de Mauá. "Quando estava sem dinheiro, começava a namorar com os donos dos bares para beber de graça. Muitos eram casados, mas como eu tinha sido traída, não estava nem aí."

Márcia começou a beber aos 13 anos, escondido dos pais. Aos 17 teve o primeiro grande porre. Com 19, bebia muito e teve o primeiro filho. Aos 22, oficializou a união com o marido.

Com 26, teve outra filha. O marido tinha esperança que uma nova criança mudasse a mulher. Mas não adiantou. Numa tarde chegou a beber uma garrafa de rum e desmaiou. A filha desceu sozinha 14 degraus e ficou chorando por longo período no portão. "Minha irmã me encontrou desmaiada na sala. A partir disso, fui procurar tratamento", diz.

Quando Márcia decidiu procurar ajuda, a mãe já se tratava havia quatro anos. Hoje, Mariana trabalha como voluntária no AA e há nove anos não bebe. A filha, depois de quatro anos "limpa", teve uma recaída no fim do ano passado. Agora as duas vão às reuniões do AA e se ajudam para manter o vício longe.

Informações sobre o AA podem ser obtidas pelo telefone 3315-9333.

Envelhecimento precoce é um dos efeitos colaterais

Os danos causados pelo álcool no organismo da mulher aparecem de 30% a 40%, mais rapidamente que nos homens. Esse é o resultado de diversas pesquisas médicas, segundo a psicóloga Lívia Lopes. Um exemplo são as doenças hepáticas, que aparecem três vezes mais nas mulheres em relação aos homens alcoólatras.

"O organismo feminino é formado com mais gordura, o álcool se dilui menos e os estragos são maiores, devido à maior concentração. Por isso, elas não precisam beber muito para ficarem embriagadas", diz Lívia. O alcoolismo também provoca o envelhecimento precoce.

O álcool também é um dos principais motivos para gravidez precoce e situações de risco para transmissão de doenças sexuais. "As mulheres alcoolizadas ficam mais fragilizadas. Com isso, têm mais riscos de serem abusadas sexualmente e de ficarem grávidas. Também há complicação para os filhos de alcoólatras. As crianças nascem com a Síndrome Alcoólica Fetal", diz Lívia.

Encontros parecem confraternização de empresa

"Obrigado, eu passo a palavra". É assim que cada integrante termina o seu depoimento em uma reunião do AA (Alcoólicos Anônimos). O Diário acompanhou, na quarta-feira, o grupo de Mauá. O encontro é realizado na sala de uma casa alugada no Centro. Na noite fria, as conversas começaram por volta das 20h.

As mulheres contam com mais detalhes os seus problemas. Os homens são enfáticos e sérios nas suas falas. No intervalo, uma goiabada de um quilo é consumida em poucos minutos. Quase todos riem e trocam experiências pelos corredores. O local lembra uma confraternização de empresa, mas (é claro) sem bebida, apenas uma garrafa térmica de café e um filtro de barro de água.

Na hora da sacolinha, quase todos puxam moedas e notas da carteira e colocam no fundo para ninguém ver de quanto que é a doação. Em nenhum momento é pedido para todos colaborem. No dia foram arrecadados R$ 47. No fim do encontro todos batem palmas. Nenhuma das pessoas se diz curada, e afirmam que estão bem só por hoje. 




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