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Os amigos
Rodolfo de Souza
23/06/2016 | 07:00
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Lá estão eles na porta do bar. É ali, afinal, o lugar dedicado, antes de mais nada, aos amigos. O templo do bate-papo, da descontração...

Mais alegre do que a turma do boteco, só mesmo o dono do estabelecimento que vê transformado em lucro o dinheiro gasto com a reforma. Cheio de entusiasmo, não poupa esforços para bem atendê-los quando estão reunidos em grupos espalhados dentro e fora do bar. Fazem muito barulho, porque a natureza humilde faz passar bem longe da discrição sua conversa, ainda mais acirrada pelas garrafas que vão sendo colocadas vazias a um canto. Tudo entrecortado de muita gargalhada e gestos que variam de tapinhas no ombro, dedo na cara e alguma obscenidade. Mas estão sempre cercados de muita alegria, é o que basta, já que o domingo fora mesmo consagrado a isso, ao encontro com os amigos e à farra.

Daqui posso observá-los e, repentinamente, me vejo contagiado pela simplicidade e pela pouca importância dada às agruras da vida. Entre uma coçada e outra, entre uma risada escandalosa e outra, os pedaços de linguiça vão desaparecendo do prato em meio a zombarias, acusações e disputas para ver quem fala ou grita mais alto. Cada um é, sem dúvida, dono da verdade e tem sempre uma solução para dar uma reviravolta na situação do clube do peito que voltara a perder.

Não sabem que há uma crise estabelecida. Ou talvez finjam não saber. Por que se importariam? Social, econômica e política, ela não chega a ser uma ameaça em potencial à celebração do fim de semana ensolarado e ameno. O que vale mesmo é a cerveja gelada e a pouca importância dada à iminente chegada da segunda-feira, dia de batente e de chateação, em que tudo retorna à entediante normalidade. Mas o jornal com toda a cobertura da rodada dos campeonatos será comprado e digerido com voracidade, em pormenores. É preciso que se saiba o que levou o goleirão a cometer aquela falha, o que não é próprio dele. Estaria ele deprimido por causa da mãe internada?

Talvez fosse bom sair deste casulo e correr até lá, ter com aquela gente que ri e que dá as costas para a aporrinhação. É possível até que esta não se sinta encorajada a aproximar-se dos amigos que a repudiam inconscientemente. Sua forma de viver, toda ela comprometida com o bom humor se encarrega de mantê-la à distância. Coisa até capaz de fazer coçar a cabeça qualquer monge zen que passa a vida em busca da plenitude espiritual.

Cheguei mesmo a pensar em pedir-lhes uma receita para conter a crise, já que dela devem padecer como todo ser humano que vive debaixo dessa imensa lona. Apesar de que não parecem sofrer, aqueles homens, ao que tudo indica, inoculados contra o mal do pessimismo que a grana curta e a falta de perspectiva promovem.

Analiso cada gesto e busco neles a empatia que a mim também haveria proporcionar um grama qualquer de felicidade neste domingo brasileiro. Dia em que se dá uma pausa na vida. Parece até que a Terra cessa de girar só para espreitar os homens barulhentos na porta do bar, o santuário que fora erigido e espalhado pelas esquinas e, cujo papel, é o de deixar de fora a tristeza que vem para bolinar com o espírito humano, tão a mercê dela, mas que ali ganha asas e parte rumo à liberdade.

Brindemos, pois, à cerveja, ao tira-gosto e ao futebol!

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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