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Crise econômica enche missas e cultos na região
Marília Montich
Do Diário OnLine
29/03/2016 | 07:08
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André Henriques/DGABC


Toda segunda-feira, às 15h, a Paróquia Nossa Senhora do Paraíso, em Santo André, fica lotada. Fiéis ocupam todos os bancos da igreja para acompanhar a chamada “Missa de Cura e Libertação”, que se repete também nas noites de sexta-feira. A celebração já é tradição no bairro. Ali estão pessoas que pedem desesperadamente uma graça a Deus e aos santos. E em tempos de crise financeira, quando o desemprego e as dificuldades batem à porta, o número de pessoas em busca de ajuda divina aumenta ainda mais.

“Naturalmente a realidade política e econômica faz com que as pessoas acabem não tendo expectativas, percam a credibilidade no sistema e, com isso, vem a insegurança. Nesse cenário, é natural que as pessoas busquem respostas e me parece que a procura por Deus está mais forte agora”, afirma o padre Vanderlei Ribeiro, pároco no local há 21 anos. Segundo ele, os fiéis estão mais presentes nas missas, encontros, grupos de orações e nos atendimentos. “Nos últimos anos, a busca pelo sucesso profissional está mais incessante, sobretudo nos últimos meses.”

Além da fé genuína, testemunhos costumam atrair novos fiéis. Pessoas que tiveram seus pedidos realizados e que hoje voltam à igreja para agradecer as graças alcançadas servem de incentivo para quem também procura um amparo.

É o caso do DJ Ronaldo Menini, 44 anos. De formação católica, ele pouco frequentava a igreja, até que se viu em meio a uma crise financeira e pessoal. “Meu tio me trouxe para cá e desde então minha vida melhorou 200%. Aflorou em mim um sentimento que já existia. Na fé se tem mais esperança e vontade de vencer”, diz. Desde que passou a ser praticante, Menini conta que conseguiu dobrar seu equipamento musical e estabilizou suas contas. “Hoje tenho até dinheiro guardado. Acho que a positividade atrai”, completa frequentador da Paróquia do Paraíso.

Leonildo Neri, 63 anos, aposentado e voluntário na mesma igreja, também credita à fé o emprego conquistado pelo filho, de 33 anos. Portador de psoríase (doença de pele caracterizada pela erupção de placas vermelhas), ele tinha dificuldade em ser admitido, uma vez que sempre era reprovado no exame médico por sua aparência. “Certo dia, estava na missa de segunda-feira e, após terminar a novena de Santa Filomena, às 16h, eu pedi um trabalho para meu filho. Quando cheguei em casa, minha esposa me contou que, exatamente às 16h, uma empresa havia ligado para agendar uma entrevista dali a três dias. Não é que as lesões de pele cessaram exatamente nesse período e ele foi aceito no emprego, onde permanece até hoje?”, conta.

O movimento não ocorre apenas na igreja católica. Michel Adam Vicentim, pastor da Comunidade Cristã Shalon Adonai de Mauá, uma ramificação da igreja evangélica, afirma que também tem observado cultos mais cheios nos últimos tempos, o que relaciona ao mau momento da economia. “Em toda fase da história do mundo bíblico, em época de crise o povo acabava buscando a Deus conforme sua fé. Os membros estão orando mais pela situação política e econômica. Ao meu ver, estamos em um estado crítico e agora é como se fosse um despertar.”

Vicentim se diz satisfeito por poder ajudar os fiéis que chegam até ele em momentos difíceis como este. “Sou grato pelo rebanho que Deus tem me confiado e sei que muitas vidas estão restauradas”, diz o pastor.

Nos centros espíritas, a realidade se repete. A fundadora do Centro Espírita Obreiros do Senhor, em São Bernardo, Miltes Bonna, afirma que apesar de não conseguir estimar ao certo o aumento de frequentadores – assim como os demais líderes religiosos procurados pela reportagem -, tem observado o movimento alavancar nos últimos meses. “A maior dificuldade atual é o desequilíbrio nos lares, porque o desespero é muito grande. O sofrimento está conclamando as criaturas a uma reflexão mais profunda, à busca de Deus. Temos que confiar em algo e perceber que para nos libertar desse desespero e conquistar o equilíbrio o único caminho é através da prece.”

Miltes pontua, segundo sua crença, que a fase deve ser encarada como oportunidade de aprendizado. “Muitas vezes a criatura cai da condição de chefe para subalterno e isso nada mais é do que uma experiência enriquecedora se a criatura buscar Deus, aceitar resignadamente aquilo que não pode mudar no momento e ter força para encontrar novos caminhos”, aconselha.

Necessidade humana - Para o professor Lauri Emilio Wirth, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), em termos mais gerais, é possível dizer que crises revelam, entre outras coisas, que não temos um controle absoluto sobre os rumos da história. “Por mais perfeitos que sejam os nossos projetos e por mais eficientes que sejamos na sua execução, não temos nenhuma garantia de que as coisas irão ocorrer exatamente como planejamos. Nossas ações são perpassadas pelo imponderável. É possível que esta experiência dos limites desperte o desejo pelo infinito, o que pode nos deslocar para o campo da religião.”

Contudo, Wirth chama a atenção para uma espécie de “comercialização” da fé nos dias atuais, uma vez que as pessoas transitam pelas religiões de acordo com suas necessidades momentâneas, “quase como se transita por centros de compra e outros locais de consumo”. Há também quem perceba, segundo ele, uma espécie de secularização da religião. Ou seja, há um encantamento pelo consumo, pela mercantilização das relações humanas. “Há uma crença de que seria possível satisfazer todos os desejos de forma ilimitada. E isto se transforma em uma espécie de religião. Em outras palavras, aquilo que as religiões tradicionalmente ofereciam, hoje passa a ser oferecido pela lógica do consumo e pelas relações de mercado”, completa.

Além da oração - Muitos templos religiosos, além de pregar suas doutrinas, dão aconselhamentos que extrapolam aqueles que estão na Bíblia, no Evangelho ou em qualquer outro livro que sirva de inspiração espiritual. No caso Paróquia Nossa Senhora do Paraíso, o padre Vanderlei ressalta que busca sempre detectar o problema da pessoa que o procura e indica que ela busque profissionais como médicos e psicólogos se houver necessidade.

Apesar de não ter sentido um aumento efetivo de fiéis por conta da crise econômica, o Padre Ademir Santos de Oliveira, da Paróquia São José do Operário, em Santo André, aconselha que as pessoas procurem viver uma boa relação não só com Deus mas também com a comunidade de fé. “É de lá que brota a ajuda material que se necessita. Não basta rezar. A pessoa tem que buscar a caridade.”
 




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