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MIS mostra um século de memórias de Minas
Do Diário do Grande ABC
19/06/1999 | 17:57
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O passado e o presente de Minas Gerais somam mais de cem anos de memória numa exposiçao que o Museu da Imagem e do Som (MIS) está mostrando, em mais de 200 fotos, no IV Mês da Fotografia, em Sao Paulo. Dos carros de bois que transportaram para Curral D'el Rei o material destinado à construçao da nova capital, Belo Horizonte, no fim do século 19, até a expressao mais atual da vida contemporânea, a mostra é um passeio pela história de um estado que, zeloso na promoçao de outras artes, ainda nao dá a merecida atençao aos profissionais que vêem sua gente e sua cultura pelos olhos de uma objetiva.

'Enquanto o cinema, o teatro, a dança, a literatura e a música têm festivais, saloes e bienais de repercussao nacional, a fotografia merece, no máximo, uma parede em alguns bares e restaurantes``, diz o mineiro Bernardo Magalhaes, o organizador da mostra Minas: minas _ jogo de palavras que ele criou para indicar que, nesse campo, Minas Gerais é capaz de garimpar tesouros (minas) preciosos. Quase sem patrocínio, esse fotógrafo que voltou a Belo Horizonte, sua cidade, depois de haver passado fora de lá boa parte dos 48 anos de sua vida, resolveu bancar a exposiçao com recursos do próprio bolso.

O selo Casa da Serra, que promove Minas: minas, é quase ficçao, pois é apenas o nome do casarao, herança do pai, em que ele mora no bairro da Serra. O projeto de transformar a casa em espaço aberto à promoçao cultural - saraus literários, recitais de música, lançamentos de livros e, principalmente, exposiçoes de fotografias - ainda está engatinhando. 'Construída nos anos 50, a casa nao foi tombada, mas tem valor representativo de uma época``, informa Bernardo Magalhaes - o Ném de Tal que, com essa assinatura, trabalhou como repórter fotográfico em alguns dos mais importantes jornais e revistas do país.

Ao receber a encomenda do capítulo Minas Gerais para o IV Mês Internacional de Fotografia, que o MIS apresenta até 18 de julho, Magalhaes recolheu amostras de um imenso arquivo que ele e seus colaboradores conseguiram levantar, em tempo escasso, em Belo Horizonte e mais uma dezena de cidades do interior mineiro. Suas principais minas, na garimpagem do passado, foram acervos particulares e públicos aos quais os pesquisadores puderam ter acesso. O trabalho levou cerca de dois anos.

'Coletamos daguerreótipos e cópias de época, fizemos cópias atuais a partir de negativos de vidro e constatamos que, apesar do muito que se perdeu no tempo e no descaso, os acervos históricos querem se revelar ao olhar contemporâneo, tal a generosidade com que fomos recebidos pelos curadores, conservadores e proprietários desses acervos``, registra Magalhaes, na apresentaçao de um tablóide-roteiro da exposiçao. Para a seçao de fotos contemporâneas - contraste e complemento para os painéis de documentaçao e memória - foram selecionados 42 profissionais que encaram a fotografia como expressao de arte.

Minas: minas exibe fotografias de inestimável valor. As imagens da construçao da nova capital no antigo arraial de Curral D'el Rei têm a força de uma reportagem. O carro de bois estacionado à porta da 'casa comercial do sr. Cândido de Araújo`` é de autor anônimo, da mesma maneira que mais alguns retratos resgatados do álbum da Comissao Construtora da Nova Capital. Mas isso é exceçao. Na maioria dos casos, os organizadores da exposiçao puderam identificar os retratistas ou fotógrafos, com base em anotaçoes da época ou em informaçoes orais.

Um dos originais mais curiosos da mostra é a 'Formatura de Domingos Honório Lopes de Araújo``, um daguerreótipo anônimo do Rio de Janeiro, com data de 11 de junho de 1849, da Coleçao Paulino Araújo. Outra preciosidade é a pose do poeta Carlos Drummond de Andrade, o menino fotografado aos dois anos de idade em sua terra natal, Itabira, por Brás Martins da Costa, que registrou cenas familiares, festas religiosas e a vida social do lugar.

Além de Belo Horizonte e Itabira, as cidades de Diamantina, Campanha, Uberaba, Guaxupé, Peçanha, Araçuaí e Nova Lima aparecem nas fotos que documentam a história de Minas no fim do século passado e nas primeiras décadas deste século. Alguns dos profissionais dessa época fizeram um trabalho extenso no tempo e volumoso na quantidade. É o caso de Chichico Alkmin, que nasceu em Bocaiúva em 1886 (era meio-irmao do político José Maria Alkmin), mas se mudou em 1902 para Diamantina. Trabalhando como fotógrafo profissional na cidade, em seus distritos e nos municípios vizinhos, ele deixou cerca de cinco mil negativos de vidro.

'Chichico gostava de fotografar anjinhos, porque era a única oportunidade que ele tinha de registrar a passagem pelo mundo das crianças que morrem aos primeiros dias de vida``, informa Bernardo Magalhaes. Para ele, Chichico Alkmin foi, com Raimundo Alves Pinto e Paulino Araújo, um dos grandes pioneiros da fotografia em Minas Gerais. Ao lado de fotos desses profissionais, a exposiçao Minas: minas apresenta uma obra histórica original - 'Panorama de Bello Horizonte - Minas Geraes``, de O. Belém Phot., com data de 22 de junho de 1908.

Entre os 42 fotógrafos contemporâneos da mostra, destacam-se os travestis de Gustavo Lacerda, as fotos tremidas de Juvenal Pereira e uma série de três poses da arte 'lúdico-pornográfica`` de Nino Andrés, que mostram, no nascimento de Topo-Gigio, uma mulher parindo o boneco que fez sucesso na TV nos anos 70. Bernardo Magalhaes, o Ném de Tal, que nos últimos anos já nao se dedica tanto ao jornalismo, comparece com fotos de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Quando a exposiçao deixar o MIS, o destino de Minas: minas poderá ser o Rio de Janeiro. Depende só de a Casa da Serra, ou seja, de Bernardo Magalhaes conseguir um espaço na cidade. 'Uma boa opçao poderia ser o Centro Cultural Banco do Brasil, que fica no Centro do Rio e tem excelentes instalaçoes``, adianta o organizador da mostra. Seria apenas a segunda etapa de um projeto ambicioso, pois seu seu sonho é levar a história iconográfica de Minas a outras capitais do país.




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