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Acesso e evasão são desafios na EJA

Em 10 anos, houve queda de 80,77% nas matrículas,
apesar de 36,5% não ter concluído o Fundamental

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
29/02/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Embora 36,5% da população do Grande ABC em idade escolar ainda não tenha concluído o Ensino Fundamental – cerca de 815 mil pessoas, conforme o último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010 –, e 0,38% dos moradores da região sejam analfabetos – 66 mil habitantes –, as prefeituras e a rede estadual têm dificuldade em atrair e manter alunos na EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Seja por necessidade de trabalho ou falta de acesso, munícipes ainda relutam em voltar aos estudos ou iniciar a vida escolar depois de adulto, o que impõe desafio aos gestores da Educação. Entre 2003 e 2013, houve queda de 80,77% no número de matrículas na EJA entre as sete cidades, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira): passou de 135,7 mil para 26,1 mil. Já os índices de evasão nesta etapa do conhecimento chegam a ser de 36% em Santo André, 19,7% em Mauá e 11% em Diadema. Os demais municípios não informaram suas taxas.

Para especialistas, é necessária adaptação no currículo e flexibilização da oferta do serviço, como estratégias para manter os estudantes até o fim do curso. “É preciso que se construa currículo mais flexível em relação à carga horária, porque as pessoas acabam desistindo ao não se adaptarem. A escola precisa estar mais próxima da realidade desses estudantes, assim como prevê o método desenvolvido pelo educador Paulo Freire na experiência de Angicos, no Rio Grande do Norte”, destaca o professor da Faculdade de Pedagogia da Metodista Edson Fasano.

Já a professora do curso de Pedagogia da Faculdade Anhanguera de São Bernardo Walkiria Savira Belapetravicius chama atenção para o papel fundamental do educador no processo de escolarização na EJA. “Em 90% dos casos, o professor é a única relação afetiva sadia que o indivíduo tem”, ressalta. A especialista cobra ainda mais cursos superiores para a formação de docentes para esta etapa do conhecimento. “O professor precisa estar preparado para enxergar esse aluno e para o confronto de culturas que é a sala de aula da EJA. Assim, não deixará o fracasso escolar acontecer.”

RECOMEÇO

O incentivo da filha professora fez com que a vendedora aposentada Maria Rute Garcia Nogueira, 64 anos, voltasse para a escola, local que não era frequentado pela moradora da Vila Pires, em Santo André, desde os 12 anos. “Cursei o primário <CF51>(equivalente ao 1º ciclo do Ensino Fundamental – 1º ao 5º ano)</CF>, mas, na época precisava trabalhar, depois casei, tive filhos e não sobrou tempo”, revela.

O retorno, segundo a estudante dedicada, só foi possível graças à proximidade da escola e oferta de aulas pela manhã. “Se fosse à noite, não voltaria”, destaca Maria Rute, que já planeja o Ensino Superior. “Se der tempo, quem sabe não faço algo relacionado ao desenho ou jardinagem”, cogita.

Infelizmente, nem todos conseguem superar as dificuldades impostas pela vida e enxergar a Educação como oportunidade. O soldador Cícero Sabino de Souza, 50, por exemplo, considera que está velho demais para aprender. “Parei de estudar na 7ª série e comecei a trabalhar. Sei ler e escrever, então consigo me virar. Não tenho mais idade nem tempo para isso”, diz.

O mesmo acontece com o auxiliar de limpeza Iraquitã Rodrigues dos Reis, 22, que abandonou os estudos quando estava no 6º ano do Ensino Fundamental, depois de reprovar por diversas vezes. “Casei e tive filhos. Chego cansado do trabalho e não tenho como estudar.”

Sem acesso à Educação, indivíduo passa a ser oprimido

É senso comum que a Educação é o caminho para a resolução da maior parte dos problemas de um País. No entanto, faltam ações práticas por parte das gestões públicas com o intuito de viabilizar o funcionamento adequado da EJA (Educação de Jovens e Adultos), ressaltam especialistas. Conforme os professores ouvidos pelo Diário, a escola é ambiente capaz de proporcionar ao indivíduo visão de mundo mais crítica, além de tirá-lo da opressão e ajudar na recuperação da autoestima.

“Quanto menor a escolarização, mais a população é oprimida. É preciso devolver a essas pessoas as perspectivas de possibilidades. Apoiá-las na construção de sua liberdade para que tenham condições de fazer escolhas”, destaca o professor da Faculdade de Pedagogia da Metodista Edson Fasano.

Para o especialista, os modos de divulgação da EJA já se mostraram ineficazes. “Falta uma ação para sensibilizar essas pessoas no período da matrícula. Não vemos chamadas públicas mais amplas nos meios de comunicação de massa, como a televisão e o rádio. Geralmente, há apenas cartaz na porta das escolas.”

A professora do curso de Pedagogia da Faculdade Anhanguera de São Bernardo Walkiria Savira Belapetravicius defende que haja mais atenção do poder público às mulheres, historicamente prejudicadas pela falta de acesso à Educação. “Elas não valorizavam a escolaridade porque tinham de ser boas esposas, boas mães e donas de casa. É preciso pensar em uma flexibilização quanto à distância, horários e também para beneficiar aquelas que têm filhos e não têm com quem deixá-los.”


Campanha convida população a voltar para a escola em Santo André

Cinco anos após ter abandonado os estudos, o açougueiro Fabrício de Almeida Nonato, 19 anos, foi convencido a retomar a vida acadêmica por meio da EJA (Educação de Jovens e Adultos) no fim do ano passado. O morador do Parque Miami, na periferia de Santo André, foi abordado na rua do bairro onde vive por grupo de professores da rede municipal durante distribuição de panfletos sobre a possibilidade de se matricular na etapa de ensino. “Quem sabe eu consiga fazer uns cursos e ter um emprego melhor”, cogita.

Nonato precisou abandonar os estudos para trabalhar. “Fui pai aos 16 anos, então trabalhava durante o dia e entregava pizzas à noite. Só agora encontrei um emprego mais tranquilo e consegui conciliar o horário, mas está sendo cansativo”, confessa. A motivação, no entanto, é a família. “A gente não sabe o dia de amanhã e, sem estudo, fica tudo mais difícil.”

A ação dos educadores das Emeiefs (Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Chico Mendes e Machado de Assis foi a alternativa encontrada para acessar e sensibilizar jovens e adultos sobre a importância de estudar. Uma vez por semana, o grupo de 13 professores sai às ruas do Parque Miami e Recreio da Borda do Campo munidos de panfletos e cartazes para divulgar a EJA. “Tivemos essa ideia durante uma reunião devido à dificuldade em relação às matrículas. A gente não tinha demanda”, destaca a assistente pedagógica das duas unidades, Viviane Nascimento.

O trabalho realizado pelas educadoras na cidade já surtiu efeito. Na Emeief Chico Mendes foram abertas duas salas com 20 alunos cada neste ano. Na Emeief Machado de Assis, a quantidade de matrículas teve alta de 75%, saltando de 80, no semestre passado, para 140. 




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