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Crianças e adolescentes são alvos de condições irregulares de trabalho
Joyce Galdino
Especial para o Diário OnLine
12/02/2016 | 09:00
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André Henriques/DGABC


Dos 317 mil jovens do Grande ABC, com idades entre 10 e 17 anos, 30.115 (9,5%) deles trabalham em programas sociais de incentivo ao primeiro emprego - como o Menor Aprendiz - ou de maneira irregular, que muitas vezes, vai contra os princípios de adequação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

No levantamento de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) São Bernardo tem 8.486 jovens trabalhando, seguido de Santo André com 8.133, Mauá, 5.368, Diadema com 5.194 adolescentes, São Caetano com 1.307, Ribeirão Pires com 1.164 e Rio Grande da Serra 463 jovens.

As atividades que o mercado de trabalho mais absorve de maneira irregular os jovens, entre 10 e 17 anos, estão garçom ou monitor de bufê, meninos placa para divulgação de imóveis, vendedores ambulantes nos faróis, engraxate e lava rápido.

Segundo o advogado e coordenador da CIJ (Comissão da Infância e Juventude) da OAB (Ordem dos Advogados de Brasil) de São Bernardo, Ariel de Castro Alves, os adolescentes, mesmo aqueles com menos de 16 anos, são chamados eventualmente para trabalhar nesses bufês, sem nenhum tipo de contrato, só recebem algum dinheiro no final da festa, ou após atuarem em vários eventos em fins de semana. “Além disso, os adolescentes trabalham durante a noite, após as 22 horas, em festas onde servem bebidas alcoólicas. Depois vão para suas casas de madrugada, correndo riscos já que o transporte público não funciona após a meia noite”, afirma.

O especialista aponta a falta de fiscalização para controlar a admissão desses menores. “O correto é que para atuar em festas após as 22h, é necessário que os jovens tenham 18 anos ou mais e carteira de trabalho assinada.”

A fiscalização desse tipo de prática é de responsabilidade do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), que tem como base a Instrução Normativa 102/2013, que visa o combate ao trabalho infantil, a regularização e a inspeção.

A advogada e auditora fiscal do Ministério do Trabalho Carolina Vanderlei Castro de Almeida detalha que, atualmente os auditores do Trabalho se encontram em greve em busca de melhores condições, inclusive para realizar uma fiscalização mais efetiva. “Quando encontramos menores de 16 anos em situação irregular de trabalho, por se tratar de uma faixa proibida, é lavrado o Termo de Afastamento do Trabalho. Também é feito o cálculo das verbas rescisórias e saldo de salário para que esta criança ou adolescente prejudicado receba o que tem direito, uma vez que trabalhou. Por fim, lavramos os autos de infrações cabíveis, que, depois de um processo administrativo confirmado, torna-se uma multa”, detalha a auditora.

Carolina também esclarece quais são as condições específicas de trabalho nos bufês: “Precisamos ter atenção a algumas coisas: é proibido ao menor de 18 anos servir bebidas alcoólicas, trabalhar depois das 22h, fazer a vigilância de crianças. Também é preciso ter atenção ao levantamento, transporte, carga ou descarga manual de pesos.”

Quando questionada sobre o critério de escolha dos locais para fiscalização, a representante do Ministério explica o procedimento. “Fiscalizamos conforme de maneira ativa e planejada, conforme o recebimento de denúncias. O setor fiscalizado é escolhido durante reunião anual dos coordenadores do Projeto de Combate ao Trabalho Infantil e Regularização do Trabalho do Adolescente, da Secretaria de Inspeção do Trabalho.” conta.

Uns porque precisam ajudar a família, outros por diversão

A falta de conhecimento sobre onde deve denunciar os estabelecimentos que atuam fora da lei, também é um empecilho para os menores, que não concordam com as condições de trabalho a que são submetidos. “Não tentei denunciar ainda por comodidade e por não saber com quem devo falar. Trabalho lá (no bufê) porque gosto da bagunça, do pessoal, de lidar com o público, ajuda a distrair a mente, esquecer dos problemas. Durante a semana tenho um outro emprego fixo, com carteira assinada”, conta Pedro (nome fictício), que tem 16 anos e trabalha na condição de Aprendiz.

Alguns desses adolescentes, além de sofrerem abusos físicos, como ficar em pé durante quase 14 horas seguidas, também estão sujeitos a abusos morais. “Já presenciei vários colegas de trabalho sendo humilhados e constrangidos pela antiga gerente do bufê, na frente dos convidados, enquanto ela gritava e dava bronca na hora da festa”, conta Pedro.

“Trabalho com festas há muito tempo e nunca presenciei nenhum tipo de fiscalização relacionada aos direitos trabalhistas dos menores. Falta uma investida pesada dos órgãos competentes”, desabafa o jovem Bruno (nome fictício), que trabalha há dois anos em bufês.

Quando questionado sobre o motivo de continuar nesse emprego, Bruno conta: “Preciso do dinheiro para ajudar a minha avó com as despesas da casa. Como ela não tem um salário fixo, eu ajudo como posso. Estou procurando emprego porque o trabalho no bufê não ajuda o quanto preciso. Geralmente entro às 10 horas e fico até às 18 horas. Em média 8 horas de trabalho para receber R$ 20 ou R$ 25. Quando há duas festas no dia, entro às 10 horas e saio meia noite e meia para receber R$40 ou R$50”, explica o jovem.

O presidente do Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC), Roberto Moreira, afirma que a função do sindicato é somente instruir os estabelecimentos com relação à contratação de menores. “Não é função do sindicato fiscalizar esse tipo de ocorrência e sim do Ministério do Trabalho e Emprego.”

Moreira defende que não há nenhum tipo de abuso da mão de obra infantil nesse tipo de trabalho.

Apesar da legislação que protege os direitos da criança e do adolescente ser clara no que tange à proibição do trabalho a menores de dezesseis anos - salvo em condições de aprendiz - a prática ainda se mostra muito contrária a esse princípio, tanto na cultura que estimula o público infanto-juvenil a buscar essas opções quanto na fiscalização para coibir tal prática. 




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