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De lama até o pescoço
Rodolfo de Souza
04/02/2016 | 07:00
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Dentre todos os vilões deste País, que não são poucos e que reinam soberanos nesta atualidade conturbada, há um que tem conseguido permanecer por tempo considerável nas manchetes. Aliás, vem com isso, ofuscando um pouco o brilho dos demais, o que, sem dúvida, tem estremecido os brios dos meliantes de grosso calibre, cuja face, bastante conhecida do povo, por causa desse atrevimento, assumiu um semblante de despeito. “Onde já se viu dividir conosco o ibope?” – dirão os ricos (muito ricos) invejosos.

Não bastasse o contingente exagerado de bandidos televisivos, e eis que surge mais um para roubar preciosos minutos do telejornal nos horários nobres das noites do meu Brasil.

Pouca gente, na verdade, ouvira falar da Samarco neste território, até que um sinistro de dimensões avassaladoras veio para trazer notoriedade à desconhecida que cansara do obscurantismo e que, ao invés de contratar uma agência séria e partir para a propaganda, decidiu pelo rompimento de uma barragem que continha uma lama que ela, a empresa, vinha guardando com muito zelo, mas que escorreu rio abaixo, levando de roldão pessoas, casas, peixes e tudo que encontrou pela frente. Aí sim, a empresa apareceu.

De fato apareceu e, com ela, uma centena de técnicos de órgãos públicos e não públicos, para dar palpites, multá-la, exteriorizar sua revolta... Até palpiteiros de outros países manifestaram-se indignados com tanta destruição causada por ela, a tal. A imprensa, então, fartou-se com o volume de material que veio na enxurrada de lama, e falou e entrevistou e cobrou e...

Muito justo, admito. Entretanto, há se considerar que todo esse barro não foi criado do dia para a noite, que pessoas envolvidas com a meleca, sabiam daquele depósito e acompanhavam diariamente o seu acúmulo e, portanto, tinham noção exata das proporções que tomaria um hipotético rompimento da barragem. A pergunta que este humilde escritor tem presa na garganta diz respeito ao paradeiro dessa gente. Onde estão os responsáveis, aqueles que lidavam e lidam com a sujeira todos os dias? Soa, pois, estranho a justiça e a imprensa cobrarem da Samarco a responsabilidade pelo desastre. É como se estivessem acusando uma pessoa. Por que não encostam na parede as pessoas de verdade? Aquelas que tinham como função espiar o barro e cuidar do seu comportamento, não permitindo que escapasse pelo vão dos dedos. Ou será que um sujeito que trabalhou durante anos num lugar como aquele não tinha experiência suficiente para prever que a catástrofe era iminente?

Outro dia, o que sobrou de lama, aliás, uma respeitável quantidade, ameaçou esparramar. Ninguém da empresa manifestou opinião sobre um meio de contê-la. O que se viu foi um simples: “Olha! Quase derramou de novo!” E a natureza, assim como a gente simples do lugar, segue sob a ameaça do sinistro sem ter a quem recorrer. Não é triste?

Mas a TV fala. Fala porque executa direitinho o seu papel de falar, de denunciar e cobrar providências. Diga-se de passagem, refiro-me sempre à TV porque é a imprensa que atinge o maior número de espectadores, embora não pretenda, de forma alguma, desmerecer aqui o trabalho da imprensa escrita, até porque, as minhas palavras também correm soltas no papel e se sentem muito bem com isso.

Falada ou escrita, contudo, a palavra deve ser pronunciada, jamais calada. Quem sabe assim, esse povo, que passa a vida atolado na lama, possa um dia se livrar de tanta sujeira. É, afinal, o que lhe resta: gritar.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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