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Escritor tem história de superação
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
10/10/2010 | 07:13
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A vida do dramaturgo, escritor e ator Sebastião Nicomedes lembra muito uma montanha russa. A cada momento está em uma posição, às vezes tranqüila, outras não, mas na maioria do tempo causa espanto. Ele foi dono de empresa, viveu quatro anos nas ruas de São Paulo, teve peça em cartaz no circuito comercial. Agora, está desempregado e prestes a entregar o segundo livro para uma editora.

Em entrevista ao Diário, o local não poderia ser mais apropriado: os bancos da Praça da Sé, no centro da Capital. Tião, como é conhecido, anda cabisbaixo e triste pela demissão repentina e estava sem ânimo para comemorar os 42 anos de idade e os quatro anos que a sua peça Diário dum carroceiro entrou em cartaz.

"Aniversário é para quem tem dinheiro, infelizmente não é o meu caso", diz, secamente. Apenas horas mais tarde, ele ri ao olhar a mensagem que chegou em seu celular. "É de parabéns, na verdade quem não gosta de comemorar?", comenta.

Longe de dormir nas ruas desde 2007, o escritor concentra-se para concluir o primeiro romance, com o título provisório de O homem sem país, no qual pretende retratar a vida das pessoas que vivem nas mesmas condições que ele já sentiu na pele, com ligações com os governos, desde a ditadura até o governo Lula.

"Será uma releitura do Brasil, pela ótica de quem perdeu tudo. Viajei para Brasília, Pará, Rio Grande do Sul e outros Estados para contar com mais detalhes o universo das pessoas que vivem nas ruas e as abordagens que sofrem", revela Tião.

Para quem começou a escrever a primeira peça no verso de um talão de recibo debaixo de marquises no Vale de Anhangabaú, atualmente a história está melhor. Ele usa computador com acesso à internet, mas tem parte da obra em cadernos. "Tenho promessas de quatro editoras, mas no próximo ano o livro vai estar publicado", garante.

PROFESSOR DAS RUAS
Tião é reconhecido no meio cultural pela linguagem ácida e realista. Nas ruas é lembrado como professor por muitos moradores de rua. Em apenas meia hora de conversa na Praça da Sé, o escritor é parado por alguns antigos companheiros e saudado com gratidão. "Como é que tá professor, tudo bem?", pergunta. "Tá mais ou menos, fui demitido", diz.

Do outro lado, assustado, o rapaz pergunta se ele voltou para ruas. "Não, estou seguindo a minha vida", completa Tião.

A preocupação é realista, o escritor não consegue viver da sua arte para completar a renda mensal e ainda tentar tirar das ruas outras pessoas. Ele atuava como professor de artesanato em uma entidade não-governamental no Brás, na região central de São Paulo. "O contrato encerrou e não renovaram, mas minha vida é sempre assim".

Agora, ele sobrevive com o bolsa-aluguel que recebe da Prefeitura de São Paulo e com o sonho de levar a sua arte ao alcance das pessoas, inclusive os mais necessitados, como ele já foi um dia.


Trabalhos fotógraficos vão parar na Daslu

Para levantar o astral, Tião acredita que a volta por cima está perto de acontecer. E vem de um lugar que, se não fosse pela sua arte, dificilmente o deixariam entrar. No dia 25 será realizado na Villa Daslu o 1º Leilão Beneficente do Projeto Trecho 2.8, Criação e Pesquisa em Fotografia, mantido pelo Instituto Brasis Estudos e Ações.

"Essa pode ser a salvação do ano, por causa da grana. Também é uma forma de valorizar o nosso conhecimento e mostrar que somos capazes de trabalhar, basta ter uma oportunidade", fala Sebastião Nicomedes.

O projeto conta com a participação de dez moradores de ruas e cada um terá cinco fotos que poderão ser leiloadas. Todas com o lance mínimo de R$ 600. Haverá também imagens de 12 fotógrafos reconhecidos, em que o valor pode alcançar até R$ 6.000.

Segundo a entidade, metade do valor vai para os alunos e a outra para a construção de um estúdio fotográfico em que os participantes serão capacitados para criar uma empresa, nos moldes da economia solidária.

As fotos feitas pelo escritor, que está sendo capacitado para se tornar fotógrafo, tem sempre um olhar de quem está do lado de fora.

A sua experiência de viver na rua também foi levada para essa arte. São imagens da Capital em que os próprios nomes são autoexplicativos: Janelas do tempo, República, Reflexões, Quebra galho e Vira Lata.

Antes do leilão, os trabalhos de Sebastião farão parte de uma exposição em outro endereço badalado da Capital: Rua Oscar Freire, 791, Jardim Paulista, entre os dias 18 e 23, das 10h às 20h.


"Na rua você tem até o seu sonho roubado"

A trajetória do escritor não foi nada fácil. Ao cair de uma laje e quebrar o braço direito, Sebastião Nicomedes viu sua vida mudar drasticamente em 2004. Sem condições de trabalhar como cartazeiro na pequena empresa que mantinha de colocar faixas e cartazes em pequenos comércios na Capital, foi parar em uma pensão. Porém, quando o dinheiro acabou, veio a dura realidade: teve de mudar-se para as ruas, na região do Mercado Municipal, em São Paulo. "Foi um pesadelo, tinha hora que não acreditava no que estava acontecendo comigo. Não bebia, mas vivia grogue devido à quantidade de antibióticos que precisava tomar todos os dias para amenizar a dor do braço", lembra o escritor.

Com o tempo foi se adaptando à nova condição: a de morador de rua. "Sempre ajudava os funcionários da Mercadão a carregarem as caixas e ganhava um qualquer", comenta.

Essa foi a sua inspiração para escrever Diário dum carroceiro. "Não tinha a carroça, mas via muitas pessoas assim. Decidi escrever. Na verdade sempre gostei, mas parei com uns 15 anos e voltei depois de velho para contar à sociedade", relata Sebastião Nicomedes.

Das ruas Tião carrega amizades e repertórios para os seus textos tanto para o teatro quanto para a literatura. "Na rua você tem até o seu sonho roubado. É muito difícil largar essa vida. Quando a pessoa se entrega, não há o que fazer." Mas para ele isso está longe de acontecer. "Tenho muito o que produzir, agora vou fazer artesanato e vender por aí, parado não posso ficar."




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