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Os meus brasis

Eu nasci num País livre. Isso mesmo...

Rodolfo de Souza
12/11/2015 | 07:00
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Eu nasci num País livre. Isso mesmo! Por mais esquisito que esta toada possa soar nos seus ouvidos!

De fato havia ali muita gente boa quando tudo começou. Claro que por ser gente, um ou outro era traste que não justificava nem mesmo a comida que colocava no bucho. Bastante compreensível, até, essa diversidade de elementos que compõem ricamente uma sociedade. Mas como era bom! Havia naquela terra, além de gente, muita floresta, rios limpinhos, bichos e ar puro.

Então, um dia, do mar brotaram uns homens estranhos, vestindo roupas e chapéus, e traziam tantas coisas, cujos nomes só aprendemos com o passar do tempo e que serviram para entusiasmar a rapaziada. Apesar de desconfiarmos da intenção do forasteiro que carregava nos olhos a sinistra marca do amor exagerado pela conquista e pelo poder. Descobrimos, com a convivência, que dentre os estrangeiros havia trigo e havia joio também, e que tudo nos interessava. Por fim, nos metemos entre eles e deu no que deu.

Muitos outros vieram e tornaram este País de um branco europeu que o nosso povo agradou.

Lá na frente, contudo, cismaram os gringos de convocar voluntários para o serviço duro. Garantiu-lhes, inclusive, passagem de graça em sombrias embarcações que os despejavam aos montes por estas terras. Eram homens fortes de uma cor muito conhecida, embora inconcebível para a pele humana. Falta de hábito, talvez.

Mesmo assim, em pouco tempo, acostumou-se com isso todo o meu povo. Habituou-se, também, a chamá-los escravos e a não sentir lá muito apreço pela sua pessoa. Não sabíamos, inclusive... Aliás, nem sonhávamos que o DNA que trouxe no âmago aquelas pessoas, haveria de compor a estrutura genética de uma imensa população do futuro daquele lugar. Toda ela.

E o tempo passou enquanto eu observava as mudanças na sociedade. As vilas se tornaram cidades, que cresceram com ao sabor do vento que décadas e séculos sopraram. Reis vieram, reis se foram. O povo também foi aprendendo o que os senhores da terra não queriam que aprendesse.

E, aos trancos e barrancos, tornou-se operário. E era assim que deveria continuar, embora petulância e determinação fizessem com que uns poucos buscassem o conhecimento como forma de evoluir, de tornar refinada a inteligência.

Inconformados, os senhores não podiam permitir que a mão de obra se rebelasse e continuasse metida nesta ideia inconcebível de exercitar o pensamento. Empenharam-se, pois, como têm se empenhado até os dias de hoje, na difícil e prazerosa tarefa de manter sob suas botas lustradas os ideais daquela gente que buscou as letras.

Mas não havia como detê-la. Afinal, o País precisava de habitantes instruídos se quisesse progredir, tal como manda a palavra forte do seu pavilhão. Logicamente que não precisava saber muito. Só um pouquinho, bastava.

Incumbiu-se, então, pessoalmente, da sua educação o rico senhor que lhe garantiu gratuitamente um ensino adequado às circunstâncias. Um ensino bem planejado que serviu e tem servido como uma luva aos interesses escusos daquele.

E tanta dedicação só poderia resultar numa massa de manobra do tamanho continental da minha nação. São gerações de pessoas que recebem como herança uma Educação precária que faz delas precários seres humanos que passam adiante o nada que aprendem.

É assim que o meu País foi vendo crescer a sua população. Só que a outra palavra que ostenta a sua flâmula, esta ficou esquecida, já que não é possível estabelecer uma ordem sem Educação. E o meu povo tornou-se, afinal, refém do poder que se agiganta no caos. É o poder de quem manda porque é eleito para isso, e é o poder do que manda porque possui armas e mata, independentemente de suas origens.

E a minha gente acostumou-se a isso tudo.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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