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Estudantes encaram maratona diária para ir à escola
Sucena Shkrada Resk
Do Diário do Grande ABC
10/11/2001 | 19:22
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  Eles não competem em maratonas, mas têm resistência para percorrer alguns quilômetros diariamente para vencer a distância que os separa de um destino em comum: casa/escola. Esses atletas das ruas de terra e do asfalto são crianças e adolescentes, de várias idades, que vivem em locais periféricos de São Bernardo, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Os irmãos da família Tavares de Sousa – Jaqueline, 4 anos, Leandro, 9, Daniel, 10, Messias, 12, Ediana, 13, Ronaldo, 17, Moisés, 19, Eduardo, 21 e Fábio, 22 –, que vivem no bairro Tatetos, em Riacho Grande, onde as ruas não são asfaltadas, têm longa experiência em percorrer quatro quilômetros para ir às escolas mais próximas e voltar para casa. A situação começou a melhorar em outubro, quando passaram a utilizar um ônibus da Prefeitura. Mesmo assim, o risco de ter de andar permanece.

“Faz um mês que pegamos o ônibus escolar, que pára a 700 m de casa, mas quando quebra ou perdemos a hora, vamos à pé. Saio às 6h para chegar às 7h no colégio e, às vezes, o portão já está fechado. Chego cheio de pó e suado”, descreveu Daniel. Ele confessa que, quando volta da aula, o único desejo é chegar em casa e dormir.

O vizinho dos Tavares de Sousa, Flávio José Pernaiane de Jesus, 14, disse que o pior momento para ele é no período de chuvas. “Fica tudo cheio de barro e muito difícil chegar na escola”. Sua mãe, Vera Lúcia, 48, afirmou que se não vê o filho apontar no portão de casa, às 12h, já fica preocupada. “Tenho medo de que tenha acontecido alguma coisa a ele. Saio perguntando para os vizinhos se viram meu filho passar.”

O estudante da 1ª série do ensino médio da EE (Escola Estadual) Senador Casemiro da Rocha, em Ouro Fino, Ribeirão Pires, Marcos dos Santos Oliveira, 13, encontrou uma maneira de driblar uma considerável caminhada. Ele pedala durante 25 minutos de sua casa, no bairro de Rancho Alegre, até a rodovia Índio Tibiriçá, e mais 25 minutos para voltar. “Eu me canso um pouco, mas é melhor do que andar. Gostaria de conseguir um passe escolar de graça”, disse.

Os amigos Filipe Rolim, 13, Wellington Fernandes Alves, 11, e Cristiano Fernandes, 13, que moram no Jardim União, não têm a mesma sorte, e seguem a pé para a escola, em cerca de 40 minutos. “Tenho de tirar a camiseta, por causa do calor, porque senão chego lá todo suado”, disse Rolim.

Uma hora (ida e volta) é o tempo gasto pelo estudante da 2ª série do ensino médio Renato Roberto Pedro, 16, morador da Vila Niwa, em Rio Grande da Serra. “Tenho de subir um morro para chegar na escola, mas supero o esforço por causa da vontade que tenho de estudar”, afirmou.

Em São Bernardo, 630 crianças que moram e estudam nas regiões do Tatetos, Núcleo Santa Cruz e Taquacetuba, entre outros, são transportadas por seis ônibus escolares mantidos pela Prefeitura. “Ainda temos dificuldade de atender à população que mora mais próximo ao alto da Serra”, disse o secretário municipal de Educação, Admir Ferro. Outra providência tomada, segundo ele, é fornecer 3,5 mil cartelas de passe escolar gratuito a estudantes carentes, que residem a mais de 2,5 quilômetros das unidades de ensino.

Segundo a secretária municipal de Educação de Ribeirão Pires, Neusa Nakano, em outubro o município começou um projeto-piloto que transporta, em um ônibus escolar (adquirido em convênio com o Ministério da Educação), 190 alunos da escola Sebastião Vayego de Carvalho, em Ouro Fino, que moram em áreas distantes do bairro.

“Nós sabemos que a demanda é maior e atinge também o bairro Quarta Divisão, por isso estamos fazendo um levantamento. Para o ano que vem, pretendemos comprar mais dois ônibus”, disse. Ela constata que a distância acima de dois quilômetros percorrida a pé pelos estudantes interfere no aproveitamento pedagógico. “É muito estressante para a criança, pois se repete todo dia.”

O secretário de Educação e Cultura de Rio Grande da Serra, Donizete Garcia, disse que a solução encontrada para uma parte dos alunos que sofrem com as longas distâncias foi alugar uma perua escolar. “Utilizamos o veículo para auxiliar o transporte de 26 alunos que moram na região de Sete Pontes e Vila Niwa e estudam na escola Professor Carlos Roberto Guarento. Lá, algumas delas tinham de andar até oito quilômetros.”

O motorista da perua, José Carlos de Oliveira, 45, narrou o perigo do trajeto. “A gente passa por cima de cobras e, quando chove, a pista enche de água. Se não tiver cuidado, quebra até o carro. Exige atenção redobrada.” A reportagem do Diário conferiu o trajeto (todo de terra) e constatou o nível de dificuldade encontrado no local.

Garcia disse que requereu em agosto mais duas vans ao MEC, por meio do Programa Nacional de Transporte Escolar, mantido pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento para a Educação. Ele espera, com essa aquisição, beneficiar a maioria dos estudantes das regiões periféricas da cidade.




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