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'Rainha das Fadas' estréia nesta terça-feira
Do Diário do Grande ABC
24/04/2000 | 16:53
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Em maio de 1662, o compositor inglês Henry Purcell estava ansioso com a estréia de "The Fairy Queen", sua mais recente semi-ópera, inspirada em "Sonho de uma Noite de Verao", de William Shakespeare. Autor cultuado por suas ousadias harmônicas, melodia ambígua e dramaticidade contida, Purcell temia a receptividade do público. A apresentaçao teve um relativo sucesso, mas a partitura foi perdida, anos depois. Um anúncio publicado no jornal "London Gazette", com oferta de recompensa, surtiu efeito, pois a obra voltou a ser encenada, agora em 1703.

Novamente perdida, a partitura só foi reencontrada em 1901, permitindo assim sucessivas montagens. Nesta terça-feira à noite às 21 horas, a obra, traduzida para "Rainha das Fadas", estréia no Sesc Consolaçao, em Sao Paulo, mas com algumas alteraçoes em relaçao ao original. "Promovi uma varredura nos diálogos, deixando apenas os cantos, que sao árias festivas", explica o diretor Luiz Päetow, responsável pela dramaturgia da ópera. "Para evitar confusao, decidi manter só um dos casais, Lysander e Hérmia, que foge da cidade e busca refúgio na floresta".

Päetow assumiu o projeto que já era desenvolvido pelo Centro Experimental de Música (CEM) do Sesc, responsável por uma pesquisa realizada no ano passado, envolvendo a interpretaçao de trechos instrumentais da ópera. "Todas as peças foram bem treinadas pelo CEM ao longo de 1999; daí pedi ao Antunes Filho que indicasse alguém que se responsabilizasse pela direçao cênica e de marcaçao", conta Emiliano Patarra, diretor musical da ópera que vai dividir a regência com Leonel Dias. O escolhido foi Päetow, de 22 anos, ator do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc e assistente de Antunes em "Fragmentos Troianos".

Em sua versao, Purcell manteve atores nos papéis principais e conservou a estrutura narrativa da obra de Shakespeare. A açao original, entretanto, foi enriquecida por cançoes e danças com acompanhamento musical extravagante, principalmente os bailados com chineses e macacos, no último ato. "Decidimos manter o mote principal de Shakespeare, ou seja a fuga de um casal por um motivo qualquer, que pode ser uma guerra, até a chegada a uma floresta onde poderá viver verdadeiro sonho".

Orquestra floresta - Päetow e Patarra desenvolveram uma montagem mais próxima de uma versao-concerto, em que a açao cênica original foi substituída pela narraçao em off. Decidiram ainda que as peças de dança e interlúdios musicais vao ser interpretadas pelos alunos do CEM, enquanto as árias, solos e peças corais estarao sob responsabilidade da Orquestra de Cordas L'Estro Armonico. Ao todo, 43 músicos vao ocupar o palco do Sesc Anchieta e sua disposiçao em cena, favorecida pelos figurinos e iluminaçao especial, vai permitir que componham o cenário, representando a floresta.

"Será uma das principais surpresas que preparamos para o público acostumado a ver a orquestra instalada em um fosso", explica. A própria execuçao musical da obra foi criteriosamente elaborada pelos dois diretores. "As respiraçoes e as notas vao ter o tempo certo em funçao do momento cênico", comenta Päetow, que só enfrentou dificuldades com a movimentaçao espacial dos solistas sem que perdessem o andamento do maestro. Restava planejar a soluçao teatral.

A decisao de fazer cortes no número de personagens foi tomada depois de muita reflexao - Päetow preferiu reduzir o foco em uma quantidade pequena, chegando aos oito cantores que dividem os principais papéis. A encenaçao ocorrerá em platôs, que vao deixar os intérpretes a uma altura superior à das orquestras. Todas as soluçoes só foram encontradas depois de um encontro que Päetow teve com a videoartista Guiomar Pessoa Ramos que apontou a coincidência dos temas da ópera com a exaustao de fim de século vivido atualmente, graças ao bombardeio de informaçoes.

"Foi assim que transportamos a açao para o mundo atual", explica o diretor, que buscou apoio também na obra do veterano documentarista francês Chris Marker, interessado principalmente na história social e novas tecnologias. Para Marker, este século talvez esteja prestes a pagar caro por ter abandonado o imaginário - ou, mais precisamente, prestes a render-se àqueles que possuem o seu, de baixo nível e em plena atividade.

"Quando escreveu "Sonho de uma Noite de Verao", Shakespeare vivia um momento sofrido pois perdera um filho", explica Päetow. "É o que explica o texto vívido e amoroso, que ele compôs com fervor, como catarse". Em "Rainha das Fadas", Luiz Päetow busca apresentar o pensamento nuclear com que pretendeu unir Shakeaspeare, Parcell, Marker e seu trabalho ao lado de Patarra: "Sem amor, nada é possível. Com amor, porém, é pior ainda, pois ele nos distrai do pensamento da morte".




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