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Augusto Boal, legado e futuro
Armindo Rodrigues Pinto
Especial para o Diário
05/05/2009 | 08:10
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Divulgação


O que fica de mais marcante a respeito de Augusto Boal é como se manteve fiel a seus princípios usando um discurso que às vezes era desqualificado e tratado como passadista e anacrônico.

A verdade é que ele era dos muito poucos com coragem, não abrandando o seu discurso, não fazendo concessões, em uma época em que o neoliberalismo inteligentemente criou, e faz correr o mundo, uma forma escrita, falada, televisada que fez a cabeça de quase todos nós. Não basta a ação, é preciso um discurso inteligente que nos faça acreditar que o que é bom para os donos do capital e que submetem a força de trabalho é também bom para a massa trabalhadora.

Boal foi sempre no sentido contrário. Sempre impressionou pela coerência com que atravessou a vida, com a firmeza de sua fala e suas ações.Uma voz quase isolada, no deserto de ideias contrárias aos grupos hegemônicos e ao massacre econômico e cultural dos menos privilegiados. Em sua luta constante contra as diferenças sociais usou uma ferramenta que assusta os poderosos: o teatro!

O seu fazer teatral, - praticamente ignorado entre nós, como costuma acontecer com o que temos de bom, - o fez ser reconhecido mundialmente como uma pessoa tão importante como Brecht e Stanislavsky. Para muitos era o brasileiro de maior reconhecimento internacional na área da cultura.

Mas esses fatos, (como o de ter sido pré-indicado para o Prêmio Nobel da Paz em 2008) agora que ele morreu, virão todos à tona e os brasileiros, como também costuma acontecer, saberão quem foi ele. Foi preciso morrer. A história se repete, nada de novo.

Ora, o Teatro do Oprimido está em setenta países, está nas universidades inglesas, tem um festival nórdico; Boal falou para 12 mil seguidores do Teatro do Oprimido na Índia em 2008! Estou cansado de ouvir: "Ah, aquele teatro dos anos 1960, 1970", quando me refiro às técnicas de Boal.

Mas para ficar aqui pertinho posso falar orgulhosamente da história que se constrói na periferia andreense, a partir da permanência de Boal entre nós.

Santo André faz parte da história de Boal, e não à toa ele cita o município pelo menos doze vezes em sua autobiografia, com direito a foto na página central quando ele esteve aqui em 1997 iniciando o moderno projeto de uso do Teatro do Oprimido como programa de governo na administração Celso Daniel.

Foram doze anos de construção, de uso das técnicas de Boal na área da saúde, saúde mental, no combate ao racismo, à violência, na luta contra o machismo, na organização popular e, mais, formando uma geração de atores, atrizes, encenadores, teatrólogos entre jovens da periferia carente. Jovens, mulheres, idosos, que nunca tinham ido ao teatro, em pouco tempo, por meio dessa arte debatiam com a sociedade temas que lhes eram pertinentes. São artistas, são atores da história.

Santo André recebeu a visita de mais de 40 pessoas de vários países que aqui vieram conhecer esta experiência tão alternativa, quanto moderna. Fomos ao Senegal, Cuba, Portugal, Uruguai, Argentina, Itália e Canadá convidados a mostrar a experiência andreense com as técnicas de Boal. Jovens de favelas foram a alguns desses países levando nosso Teatro do Oprimido.

O GTO Lisboa e FTO Londrina foram criados a partir do seminário que organizamos em 2003. O GTO de Santo André é agora Projeto de Extensão do Instituto de Artes da Unesp.

Agora, sem o apoio da Prefeitura, os grupos se desfizeram, mas o Grupo Revolução Teatral formado por dezoito jovens, resiste, apesar de o novo governo ter não só acabado com o projeto que tem reconhecimento internacional, como proíbe os jovens de se utilizar de um espaço que é da população - o Cesa Cata Preta. Hoje, a garotada se desloca do Cata Preta até o Sítio dos Vianas para ensaiar em um quintal.

Uma pequena amostra dessa resistência é saber que o grupo acaba de se apresentar na Unicamp encerrando um encontro internacional sobre educação popular. Que o grupo, buscando sobrevivência, se apresentou em teatro de São Paulo por três dias para um público de 50 pagantes por apresentação. Veio gente de Guaíra, 8 horas de viagem até São Paulo, alunos da Unicamp, enfim, gente que quer entender o que é o Teatro do Oprimido, gente que não quer ir ao teatro só para comer pizza, gente que quer entender essa "revolução teatral". Quatrocentos professores da rede municipal de São Paulo vão assistir a uma apresentação para então debater o racismo nas escolas.

Se nos dói a ausência de Boal, nos faz feliz sabermos da Jane professora de dança, do Douglas e da Alexandra, multiplicadores, do rapper P.O. colocando teatro nas suas apresentações, jovens oriundos do teatro dirigindo grêmios estudantis, alunos da rede pública fazendo trabalhos escolares usando Boal e debatendo com os professores questões da História do Brasil e não mais aceitando tudo pronto.

Uma pequena revolução se faz na periferia da cidade. Cata Preta, Toledana, João Ramalho, Irene I, II, III, Sitio dos Viana. Jane, Douglas, Rodrigo, Larissa, Alexandra e tantos outros construindo e contando para o mundo uma história de resistência, de fazer artístico, de criação, de crença em novas possibilidades.

Como Boal caminham na contracorrente. Utópicos, sim, criativos e com alegria constroem um novo discurso, pregam um novo modo de ver o mundo e enfrentar seus opressores. (O autor, 59 anos, é diretor teatral e trabalha como voluntário em Teatro do Oprimido há 12 anos)




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