Setecidades Titulo Dom Pedro Cipollini
‘Crise de valores coloca corrupto como herói’

Figura acolhedora de pastor mostra desenvoltura
ao analisar momento econômico e político do País

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
09/08/2015 | 20:43
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Denis Maciel/DGABC


 A fala mansa e com sotaque caipira denuncia as origens do novo bispo da Diocese de Santo André, Dom Pedro Carlos Cipollini, 63 anos, desde o dia 26 de julho. Natural da Caconde, no interior do Estado, o líder religioso de semblante alegre bem simboliza os novos tempos que a Igreja Católica vive, após a posse do papa Francisco, em 2013. A figura acolhedora de pastor mostra desenvoltura também ao analisar o momento econômico e político do País.

Em visita ao Diário, o doutor em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, na Itália, e presidente da Comissão Pastoral Episcopal para a Doutrina da Fé da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) diz acreditar que o País vive crise de valores, que traz como uma das principais consequências a tendência de a população enxergar o corrupto como herói. Para ele, a Igreja tem papel importante neste cenário: o de dar esperança e chamar todos para a solidariedade.

O bispo mostra ciência ainda sobre o fato de estar à frente de uma das maiores e mais importantes dioceses do Brasil, responsável por 99 paróquias, 262 comunidades e 60 pastorais. Na década de 1980, a Diocese de Santo André teve papel fundamental contra os crimes da ditadura militar e no apoio às greves do movimento sindical, que tinham como líder o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Até por isso, o líder religioso se permite discorrer sobre os rumos do partido. “Um misto de tristeza, um pouco de decepção, expectativas que não se realizaram”, confessa.

 

Quais as primeiras impressões sobre o Grande ABC e sobre o trabalho da Igreja nas sete cidades?

Eu imaginava que fosse mais complicado, mas as sete cidades formam um bloco. Há uma concentração populacional muito grande: em 822 km² há população de 3.000 pessoas por quilômetro. E a Igreja tem uma missão. Jesus disse: ‘Eu vim para que todos tenham vida e vida plenamente’. Então, tudo aquilo o que promove a vida a Igreja tem que colaborar. O papa João XXIII dizia que a Igreja tem de detectar os sinais dos tempos. Então, onde que o povo está, onde está o sofrimento, há necessidade de uma palavra evangelizadora.

 

Que tipo de sofrimento o senhor já observa por aqui?

Acho que a questão da moradia é uma questão séria. A questão do desemprego. Eu, na minha análise, acho que é uma realidade que está começando, porque o efeito é mais lento. Por enquanto, acho que está havendo uma tentativa de contornar o problema. Acho que vai haver uma situação crítica em termos de desemprego.

 

Isso já como consequência da crise econômica atual?

Eu vejo que a origem da crise é a falta de conseguir colocar o ser humano no centro da preocupação econômica. Para que existe a Economia? É para organizar a distribuição dos bens. A crise, do ponto de vista ético, moral, é causada pela ganância. Ninguém quer lucro de 40%, quer lucro de 300%. Você não produz comida para outra pessoa, mas para ganhar o máximo. Acho que é mais uma crise de valores. E quando não tem valores, penso que quem toma conta são as duas irmãs gêmeas: a corrupção e a incompetência.

 

Estamos num momento em que inúmeros casos de corrupção estão vindo à tona. O que o senhor pode dizer sobre isso?

Acho que o positivo é que pela primeira vez na história da Justiça brasileira se conseguiu passar do andar de baixo para o andar de cima. O andar de baixo tem que obedecer as leis e não pode nada. O andar de cima faz o que quer. Então, acho que nós conseguimos quebrar um pouco isso. Agora, o lado negativo eu acho que são as consequências da corrupção. A corrupção tem reflexos na Economia. O prejuízo é muito grande. A gente não pode ser ingênuo. A corrupção está em todo o lugar, mas igual aqui eu acho que não existe. No Japão, por exemplo, se um corrupto é descoberto, ele se suicida. Aqui, a tendência, às vezes, é ver o corrupto como herói. Herança do colonialismo.

 

A que o senhor atribui essa tendência?

Por causa da falta de uma Educação que forme a pessoa com consciência social. A pessoa é vista a levar vantagem em tudo. Há a predominância do esperto, do ganhar sem trabalhar. Uma pessoa honesta, sincera, que paga os impostos, é vista como boba. O processo educacional tem de ser aprimorado. Aí entra o valor da Educação. O valor dos meios de comunicação na formação de uma consciência ética.

 

Qual é o papel da Igreja neste momento?

Esta é uma crise sem precedentes porque faltam lideranças, pessoas de peso que possam dizer à sociedade uma palavra de autoridade. Num momento de crise, a sociedade precisa ter esperança. Saber que se pode sair do buraco. Resumindo, a missão da Igreja é a de dar esperança e chamar todos para o caminho da solidariedade.

 

A Diocese de Santo André teve papel fundamental na criação do PT. Qual a análise que o senhor faz sobre o partido ao longo destes 35 anos?

Acho que o surgimento do Partido dos Trabalhadores foi um momento glorioso, não só para o Grande ABC, mas para todo o Brasil. Hoje, eu penso igual àquelas lideranças que deixaram o partido. Um misto de tristeza, um pouco de decepção, expectativas que não se realizaram. Isso não exclui que dentro do partido existam pessoas bem-intencionadas. Não estou analisando motivos, mas a realidade. O partido que está no poder tem responsabilidade que os outros não têm, porque tem o poder nas mãos. De forma que não dá para eximir-se da culpa.

 

Qual a sua avaliação do governo da presidente Dilma Rousseff (PT)?

Olha, eu acompanho o pensamento do nosso povo. Eu acho que chegou a 84% (de rejeição) no Grande ABC. Não é simples nossa situação. Eu penso que um partido que se pautou em sempre ouvir a população deveria fazer isso neste momento. Ouvir o clamor das ruas. É muito cômodo você, quando é criticado, não se autoexaminar.

 

O senhor concorda com a postura da Igreja em ser contra a redução da maioridade penal?

Eu acompanho o pensamento da Igreja Católica porque eu acho que a violência não vai ser debelada aumentando o número de prisões e presídios que já é imenso no Brasil. Antes de pensar em diminuição da maioridade penal, deveríamos pensar como anda a Educação do brasil. Todos nós somos vítimas da violência. E eu penso que não existe violência maior do que negar casa, comida, Educação, Segurança, aquilo o que está na constituição, a uma criança.

 

O papa Francisco está promovendo algumas mudanças na Igreja. Isso representa uma instituição mais aberta às mudanças da sociedade?

Eu vejo da seguinte maneira. O papa Francisco está está fazendo uma grande luta. Mas ele não está mudando nenhum dogma. Ele não mexeu em nada daquilo o que é fundamental. O que ele está fazendo é abrir a Igreja para a acolhida, para mostrar que todos têm que se sentir bem dentro da Igreja. É como uma família. O filho tem problema, mas ele continua sendo da família. Ele não vai ser mandado embora. E isso faz muita diferença. Eu acho que isso já é uma evangelização.

 

Aqui na região, o senhor pretende fazer alguma mudança?

Eu fiz uma reunião com os padres e os consultei sobre várias coisas. Não vou fazer mudança da minha cabeça. Eu vou caminhar junto com eles. Mesmo porque eles estão aqui há mais tempo que eu. Quero agora analisar tudo o que eles disseram, para refletir e futuramente tomar uma decisão que me compete. Temos padres trabalhadores aqui. Embora sejam 170 padres, quando precisávamos de 350, como vocês divulgaram nessa semana (o bispo se refere à reportagem em comemoração ao Dia do Padre, publicada na edição de terça-feira). Cada um vale por dois. A área é muito grande e precisa dividir. A questão da falta de padres é uma dificuldade, mas isso pode ser sanado reorganizando melhor a pastoral vocacional.

Qual a meta do senhor à frente da Diocese?

Acho que uma meta é que a Igreja de Santo André esteja presente na realidade para levar o evangelho. O nosso povo vê o padre como representante de Deus. Lá na frente, eu não sei se é muita pretensão, eu gostaria de ser lembrado como um bispo que fosse sinal da presença de Deus no meio do povo.




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