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Padre italiano vira novo guardiao da Favela do Oleoduto
José Carlos Pegorim
Da Redaçao 
09/01/1999 | 18:33
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Padre Gilberto RaffiniSeis meses depois da morte do padre Leo Comissari, 56 anos, assassinado na favela do Oleoduto, em Sao Bernardo, onde morava, há um novo padre no Brasil para substituí-lo. O padre Gilberto Raffini, 60 anos, chegou sexta- feira e vai se integrar à equipe de padres e freiras italianos vindos da regiao de Imola, na Itália, que há 20 anos vivem junto às favelas da cidade.  Chegou de manha ao aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, onde foi recebido pelas comunidades das paróquias de Sao Geraldo Magella, no Jardim Petroni, e de Jesus de Nazaré, na Vila Sao José, ambas em Sao Bernardo. O almoço de gala, na Sao Geraldo, teve arroz, feijao, carne, verduras, frutas e sorvete de sobremesa, refrigerante e vinho espumante para o brinde em sua honra.  "Uma doença incurável", disse o padre Gilberto Raffini sobre sua vontade de voltar para o Brasil. O missionário italiano viveu por 20 anos nas favelas de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o que lhe deu a exata dimensao do quanto seria necessário por aqui. Chegou de navio em 1965, com 25 anos, depois de 12 dias de viagem.  Há 13 anos, retornara à Itália para ficar com os pais nonagenários em seus últimos anos de vida. Três anos depois, já nao tinha razao para permanecer, quis voltar, mas seus superiores preferiram nomeá-lo vigário dos 800 fiéis da vila de Dozza.  "Sempre tinha resolvido voltar", contou. Mas como ser vigário de uma paróquia é algo muito sério, nao havia como deixar o rebanho. "Depois de dez anos que eu ia completar como vigário de Dozza, pensei que o tempo já era razoável".  No ano passado, visitando Fortaleza, conheceu uma comunidade fundada por uma antiga catequista com quem trabalhou em Duque de Caxias, onde havia mais de 50 crianças para crismar, mas o padre só podia passar a cada três meses. "Nao é justo", pensou. Comichao terrível para voltar. "Mas foi só um sonho." Com a morte trágica do padre Leo, Raffini se reapresentou aos seus superiores: "Se nao houver gente mais nova e disposta do que eu, ainda estou à disposiçao."   "Quem reza missa em igreja é padre do Centro", explica padre Nicola. Os italianos da periferia de Sao Bernardo percorrem as comunidades que organizaram e, nos domingos, onde nao estao, um leigo toca o trabalho.  O padre Gilberto nao veio para substituir o padre Leo à frente da paróquia de Jesus de Nazaré, mas sim para reforçar o trabalho conjunto dos padres Nicola Silvestri, 59 anos, Sante Collina, 55, Angelo Ceroni, 75, e das cinco freiras que compoem o grupo.   Padre Leo fora o primeiro a chegar à regiao, em 1978. Os padres moraram num barraco na favela do Parque Sao Bernardo até construírem a Sao Geraldo no Jardim Petroni, numa paróquia que inclui também o Jardim Farina, Pai Herói e Vila Sao Pedro, num total de 15 comunidades. Na Vila Sao José, junto ao Jardim Silvina e à favela do Oleoduto, a igreja Jesus de Nazaré centraliza outras 12 comunidades - cerca de 45 mil pessoas no total, segundo a irma Daniela Bonello, 47 anos, responsável pelos cursos profissionalizantes deixados pelo padre Leo nesta última. Lugo e Sao Bernardo - Daniela veio para o Brasil em 1985 e voltara à Itália em 1993. Em 1996 voltou direto para a escola profissionalizante e para o centro comunitário montado com recursos doados pela cidade de Lugo, vizinha a Imola. "Essa comunidade se perguntava se nao era possível fazer algo pela cidade onde estavam os padres italiano", conta Daniela.   Junto com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), os recursos vindos regularmente de Lugo mantêm cursos de pedreiro, marcenaria, e padaria. No centro, há aulas de computaçao, inglês, cozinha, corte e costura, pintura em tecido e música, fora os cursos que sao oferecidos em cada uma das salas livres nas 27 comunidades. Há também quatro salas do Mova (Movimento de Alfabetizaçao de Jovens e Adultos), "mais duas este ano se nosso pedido for aprovado", e duas do Promac (o supletivo de 1ª série a 4ªsérie mantido pela Prefeitura de Sao Bernardo).  Por conta desse intercâmbio, o prefeito (sindaco) de Lugo, Maurizio Roi, 40 anos, está fazendo a sua quinta viagem à regiao - dessa vez de férias. Vem ver de perto como sao aplicados os recursos da solidariedade de sua cidade, que tem 32 mil habitantes e 100% de escolarizaçao entre 3 anos (creche) e 16 anos. Em Lugo, já venderam arroz e feijao brasileiros (que Daniela garante eram um embuste com boas intençoes, apesar do protesto do prefeito) para arrecadar dinheiro e mandá-lo para Sao Bernardo. O próprio Roi é o goleiro do time de prefeitos da regiao, que enfrentou (e venceu) padres e jornalistas com a mesma razao.  Ex-comunista, transferiu-se para o PDS (Partido Democrático da Esquerda - sinistra, em italiano) com o colapso ideológico que varreu a Europa nos anos 90. "Para um político europeu e italiano, conhecer uma situaçao de convívio entre pobreza e modernidade como em Sao Bernardo é muito estimulante." E é também um amigo da comunidade, atesta Daniela.



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