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Espera para fazer eletroencefalograma demora seis meses
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
11/03/2005 | 14:49
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Cerca de 2 mil pessoas amargam a espera por uma vaga no Ambulatório de Saúde Mental de São Bernardo para realizar eletroencefalograma. Pacientes agendados chegam a ficar seis meses na fila. A chefia do centro diz que a lentidão é provocada pela quebra de um dos dois aparelhos que realizam o procedimento, e pelo pedido indiscriminado do exame pelos médicos da rede pública. A espera pelo eletro, por outro lado, pode ser em vão para quem busca diagnósticos. “Tem muito médico que pede o eletro para se livrar logo do paciente, para dar andamento rápido à consulta. Aí o paciente sai feliz, achando que o exame vai apontar a causa do problema dele. O que é mentira”, afirma o neurologista Rubens Wajnsztejn, coordenador do setor de neurologia infantil da Faculdade de Medicina do ABC, de Santo André, e conselheiro editorial do Diário.

A chefe do Ambulatório, Margarida Maria de Almeida Souza, garante que os casos de urgência são prioridade. “Quando o médico determina a urgência, passamos o paciente na frente.” O centro realiza, em média, 20 eletroencefalogramas por dia, em adultos e crianças. Em novembro, um dos aparelhos quebrou e só voltou do conserto na semana passada. “A burocracia é grande para mandar consertar. E é difícil fazer a manutenção, porque são equipamentos antigos, simples, que nem fabricam mais.”

O aumento da procura pelo exame, afirma a chefe, também é um dos fatores que gera tanta demora. Segundo ela, alguns “colegas”, referindo-se aos médicos das UBSs (Unidade Básicas de Saúde) e do PS (Pronto-Socorro) Central, pedem que o eletroencefalograma seja feito “por qualquer coisa”. “Às vezes o paciente reclama de uma dorzinha de cabeça e o médico pede para fazer o exame. Por isso a fila aumenta.”

O eletroencefalograma é usado para constatar a ocorrência de uma crise epilética, descarga cerebral anormal conhecida pela maioria como convulsão. É um exame simples que não pode diagnosticar grandes problemas neurológicos, ao contrário do que é disseminado por parte da equipe médica. “O eletro é importante para se constatar a epilepsia. E para prever o risco de futuras crises. Mas o exame não aponta a causa das ‘convulsões‘, por exemplo. Não indica a causa de nada, essa é a verdade. É um procedimento bem limitado, que muitos médicos receitam indiscriminadamente”, explica o neurologista da Faculdade de Medicina do ABC. O médico diz que a “pressa” com que se trabalha nas UBSs e PSs é a maior inimiga da precisão dos diagnósticos.

Mesmo diante da dúvida sobre a necessidade ou não da realização dos exames, a Prefeitura abriu licitação para a compra de um terceiro aparelho, a fim de diminuir a espera pelo eletroencefalograma, segundo a chefe do Ambulatório. “Em breve, o equipamento já estará disponível. Esse é o único lugar da cidade que presta esse serviço. E vem gente de outros municípios também. A demanda realmente é muito grande.” O Ambulatório de Saúde Mental, que fica no bairro Nova Petrópolis, oferece tratamento gratuito contra dependência química e depressão, além de terapia com psicólogos. Sempre mediante solicitação médica e resultados de exames – entre os quais o eletro – que supostamente comprovem a necessidade de acompanhamento.

A menina Julia Medina de Souza, 2 anos e 6 meses, esperava desde outubro ser chamada para o exame. Só conseguiu passar pelo eletroencefalograma quinta-feira. A mãe, Karen Cristina Medina, 24 anos, está desempregada e afirma que não poderia pagar pelo exame numa clínica particular. O custo, em média, é de R$ 150. “Quando a Julia era pequenininha, percebia que ela era muito agitada. Em setembro do ano passado, eu a levei ao médico , que pediu o exame. Ele desconfia que minha filha seja hiperativa, e pediu o eletro”, explica.

Além do exame, o neurologista indicou o tratamento psicológico, disponível no mesmo Ambulatório. A mãe conta que foi mais fácil conseguir no início do ano uma vaga na terapia, mas a filha não poderia iniciá-la sem o resultado do exame. “Liguei e expliquei o problema. Só então a atendente disse que ia encaixar a Julia em algum horário (para fazer o eletro). Se não tivesse ligado, estaria até agora esperando.”

O neurologista da Medicina ABC garante que não adianta solicitar o eletro para diagnosticar dor de cabeça, hiperatividade, dificuldades de aprendizado. E que, na maioria das vezes, o resultado do exame não passa de “muleta psicológica”. “O eletro mede a atividade cerebral. A intensidade das ondas. Só isso. Para casos em que o neurologista não consegue estabelecer o diagnóstico clínico, depois de fazer um exame minucioso e uma conversa demorada com o paciente, deve pedir um exame mais sofisticado, como uma tomografia.”

O aposentado Jeová Santos, 45 anos, já estuda um jeito de pagar por um plano de saúde para a filha, a estudante Gilvania Santos, 17 anos. Ele afirma estar cansado da lentidão no atendimento público e está disposto a apertar o orçamento. Quinta-feira, Gilvania foi submetida ao eletro depois de cinco meses aguardando. “O exame é importante para ela. Minha filha vive desmaiando, e o médico disse que precisa disso para descobrir o porquê.”

No grito – Outros pacientes ouvidos pelo Diário, que estavam no Ambulatório na manhã de quinta-feira esperando atendimento, contam que já precisaram do exame e que conseguiram encaixe na lista depois de muito discutir com as atendentes. Uma paciente, que não quis se identificar, disse que ligava todos os dias para o centro de referência para cobrar agilidade. “Em menos de um mês, consegui agendar.”

Caso semelhante ocorreu com a vendedora Adriana Rocha Adami, 23 anos. A filha de 5 anos, Yasmin Adami Ferreira, teve uma crise convulsiva na semana passada. Passou cinco dias internada no PS Central e a neurologista pediu que a menina se submetesse ao exame. A mãe procurou o Ambulatório e assustou com “fila gigante”. “A atendente me disse que havia umas duas mil pessoas na minha frente e que não tinha nem previsão de quando chamariam minha filha. Fiquei desesperada. A Yasmin está tomando remédios muito fortes, mesmo sem o exame pronto.”

No pedido de exame de Yasmin, não havia o carimbo da “urgência”. Mesmo assim, Adriana conseguiu marcar o eletro para semana que vem, graças, segundo ela, à intermediação de vereadores e de uma conhecida que trabalha na rede pública de saúde de São Bernardo.



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