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Engraxates resistem ao tempo
Valéria Cabrera
Da Redaçao
15/01/2000 | 18:26
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O cheiro da graxa e o estalo da flanela no couro. A figura do engraxate e o ritual - praticamente artístico - de se engraxar sapatos têm vencido o tempo e as dúzias de produtos que prometem renovar um calçado em segundos. Os que se dedicam ao ofício nao sao muitos, mas podem ser encontrados em pontos estratégicos das cidades, como praças e ruas movimentadas pelo comércio. É o caso da dupla Manoel Juventos da Silva, 82 anos, e Santo da Silva, 66 anos. Ambos trabalham no Centro de Sao Caetano, há, respectivamente, 39 e 22 anos.

Aposentados, Manoel e Santo continuam trabalhando. "Além de gostar do que faço, preciso complementar o que ganho com a aposentadoria", disse Manoel. Os fregueses, segundo eles, nao sao muitos, mas sao fiéis. "Há pelo menos cinco anos, venho aqui para engraxar meus sapatos pelo menos uma vez por semana", contou o aposentado Miguel Moura, 59 anos. "Custa pouco, e eles capricham no trabalho."

Nesse ponto de Sao Caetano, o preço cobrado pelos dois engraxates é o mesmo: R$ 2 e R$ 3 (no caso do uso de tinta).

Mas nao sao só os mais velhos que resistem ao tempo e continuam exercendo a profissao de engraxate. Apesar de nao se ver mais pelas ruas garotos com a caixa característica nas costas, há aqueles que continuam na atividade, seguindo os passos de irmaos e primos mais velhos.

O garoto José Aparecido Godinho da Silva, 13 anos, mais conhecido por Pharelinho, aprendeu a engraxar com seu primo, que o presenteou com a primeira caixa. Ele engraxa sapatos dos freqüentadores do Bar Pharelo, em Sao Bernardo, há cerca de quatro meses. Antes disso, ele também era engraxate, mas tinha de procurar trabalho pelas ruas da cidade. "Aqui é mais seguro, e eles (donos do estabelecimento) me ajudam muito."

Pharelinho tem um acordo com os donos do bar. "Nao posso deixar de freqüentar a escola e também nao posso tirar nota vermelha", disse. Ele nao cobra nada pelo trabalho. O freguês paga o quanto achar justo. O bar se responsabiliza por comprar todo o material para a atividade e também doa uma cesta básica para sua família, que mora da favela do Oleoduto, em Sao Bernardo.

"Ganho mais do que minha mae, que é doméstica e tem um salário de R$ 150 por mês", conta orgulhoso Pharelinho. Os freqüentadores do bar é que gostaram da novidade. "Nao perco tempo indo a outro lugar para engraxar o sapato", disse o comerciante Antonio Félix, enquanto saboreava um chope.

Roqueiro, barman e engraxate. Essas sao as atividades de Adnelson Antonio Severiano, 19 anos, de Santo André. Ele contou que usa o dinheiro que ganha como engraxate para ajudar sua família e também para comprar equipamentos para montar uma banda de rock. O trabalho também paga suas aulas de guitarra.

Quando nao tem trabalho como barman no Meio Natural, em Santo André, ele engraxa sapatos na regiao da avenida Lino Jardim, na Vila Bastos. "Faço isso desde os 10 anos e vou continuar até conseguir montar minha banda."

O único incômodo atualmente da atividade, segundo ele, é a concorrência desleal dos novatos. "Enquanto cobro R$ 2 por um trabalho bem feito, outros garotos que estao começando cobram apenas R$ 1. Isso nao dá nem para pagar o material."




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