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'Greve na Ford marcou relação empresas/sindicatos'
Antonio Rogério Cazzali
Do Diário do Grande ABC
15/02/2003 | 20:31
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O vice-presidente executivo de assuntos corporativos do Grupo Santander Banespa, Miguel Jorge, que durante mais de 15 anos esteve ligado à Volkswagen, em entrevista concedida ao Diário revelou alguns fatos de sua vivência na região, como os eventos fechados em Interlagos, no final da década de 80 e início da de 90, em que os sindicalistas testavam, em primeira mão, os carros importados, que logo chegariam ao país.

Para Jorge, a concentração de indústrias no Grande ABC, que culminaram com a formação de vários pólos produtivos, custou muito caro às cidades e agora, depois de várias transformações, a região vive seu momento de maturidade. O executivo aproveitou para destacar o quebra-quebra ocorrido na Ford, na greve de 1991, como o divisor de águas para o equilíbrio das relações patrão/empregado vividas nos dias de hoje.

DIÁRIO – Há quanto tempo o sr. deixou o Grande ABC?
MIGUEL JORGE – Há cerca de dois anos, depois de trabalhar durante 15 anos na região, na Autolatina e na Volkswagen.

DIÁRIO – O sr. ainda mantém contatos com a região?
JORGE – Sim, especialmente com São Bernardo. Também relaciono-me com a Prefeitura, com os políticos da região, com o pessoal da CUT, com quem me dou muito bem. Aliás, penso que o fato de o atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, encabeçar chapa à presidência da CUT, nas eleições de junho, para o triênio 2003/2006, será muito importante. Ele conhece bem o assunto, está no Conselho de Desenvolvimento, já participou ativamente de todas as discussões e mudanças que ocorreram no Grande ABC nos últimos anos.

DIÁRIO – O sindicato evoluiu nos últimos anos?
JORGE – Sim, evoluiu muito. Eu diria que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e também as próprias lideranças Sindicais. A demonstração está nos acordos que foram feitos recentemente.

DIÁRIO – Eles deixaram de lutar pelos interesses dos trabalhadores?
JORGE – Não. Acho que eles continuam defendendo intensamente as reivindicações dos trabalhadores, porque essa é a função principal do sindicato. Mas passaram a ter uma visão mais abrangente do processo. Antes, as greves eram realizadas por motivos muito mais políticos, ou havia também uma motivação política por detrás da greve. Hoje você não ouve mais falar em greves, inclusive no Grande ABC. A greve só é feita em último caso. Evidentemente que se as empresas evoluíram, os sindicatos evoluíram junto. Houve um enorme avanço nas relações trabalhistas, principalmente no âmbito das montadoras, com suas comissões de fábrica.

DIÁRIO – Quer dizer que o trabalhador só luta hoje pela manutenção de seu emprego. Ele deixou de lutar por melhores salários?
JORGE – É uma posição muito pragmática a do sindicato. Com a modernização do país, a abertura econômica, o dólar e a globalização, enfim, as coisas mudaram. Antes não havia a verdadeira competição. No caso da indústria automobilística, eram poucas montadoras. A maior parte delas concentrada no Grande ABC, e uma em Betim. Com a abertura de 1990, feita de forma indiscriminada e da pior forma possível pelo governo Collor, o que ocorreu foi uma “cirurgia sem anestesia”. Nenhum país do mundo passou por um processo como este. Não foi um processo de abertura. Foi um processo de “escancaramento”, e os sindicatos tiveram de se adaptar à essa nova realidade.

DIÁRIO – Os sindicatos foram pegos de surpresa?
JORGE – Nem tanto, porque era inevitável isso. Nós conversávamos com o sindicato sobre essas mudanças que viriam. Chegamos inclusive a fazer algumas ações envolvendo o sindicato, representantes de fábrica e trabalhadores. Trazíamos automóveis importados – que logo chegariam ao Brasil –, para que os sindicalistas (isso nunca foi divulgado), fizessem um test-drive. Chegamos a fazer, por exemplo, encontros com representantes de fábrica, supervisores e sindicalistas, com 20, 30 carros importados no Autódromo de Interlagos. Esse pessoal testava os carros na pista.

DIÁRIO – E qual era a intenção da empresa?
JORGE – Era mostrar para o sindicato a qualidade dos automóveis importados que logo chegariam ao Brasil. Queríamos mostrar o que faziam os japoneses, os norte-americanos, o avanço que eles tinham em comparação aos nossos produtos. A intenção era demonstrar a eles que quando a abertura chegasse, nossas indústrias automotivas teriam sérios problemas. Fizemos este tipo de evento umas três vezes. Era algo fechado, porque, do contrário, alguém poderia entender que estávamos “comprando” os sindicalistas. Dos que participaram destes testes eu me lembro do Guiba (Heiguiberto Guiba Della Bella Navarro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de 1994 a 1996 e atual delegado Regional do Trabalho do Estado), o próprio Marinho (Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), Magrão (Cláudio de Camargo Crê, atual presidente da Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos filiados à Força Sindical), por parte das montadoras o Scheuer, (Luiz Adelar Scheuer, diretor de Recursos Humanos, Relações Institucionais e Governamentais da DaimlerChrysler, que se aposentou no final do ano passado). Eles testavam os carros e depois nós discutíamos sobre o assunto. Isso ocorreu no fim dos anos 80, início da década de 90. Então não podemos dizer que o sindicato não estava ciente das mudanças que logo ocorreriam na indústria brasileira com a abertura de mercado.

DIÁRIO – E, ao final, os sindicalistas se dobravam à qualidade dos carros importados?
JORGE – Tanto as indústrias quanto os trabalhadores e seus representantes tiveram de concordar que isso era algo inevitável. Cabe destacar, porém, que nenhuma indústria, nenhum país do mundo passou por um processo tão violento de modernização da indústria, como a indústria automobilística no Brasil, no início da década de 90.

DIÁRIO – Na ocasião, muitas autopeças quebraram, não é mesmo?
JORGE – Sim. Havia um mercado protegido, com pouca competição. E com a abertura as empresas passaram a ter de oferecer mais qualidade, maior produtividade, mais eficiência. No processo de amadurecimento das relações entre empresa e sindicato, nós já tínhamos na Autolatina, no final dos anos 80, uma política de portas abertas, em que fazíamos reuniões, a cada três meses, entre os diretores da empresa, sindicalistas e representantes dos trabalhadores. Nessas reuniões abríamos todas as informações da montadora. Tanto para sindicato como para a comissão de fábrica. Não sei se isso ocorre ainda na Volks e na Ford. Isso ajudou a melhorar, e muito, as relações trabalhistas. Esta postura acabava com o conflito e gerava parceria. Nós abríamos inclusive a fórmula que utilizávamos para a formação do preço dos automóveis, que na época da inflação galopante era algo infernal. Os carros sofriam aumento duas vezes ao mês. O sindicato dizia que o peso da mão-de-obra no preço final do veículo era de 3%, já as montadoras diziam que era de 16% sobre o custo do automóvel. Os dois partiam de pontos de vista diferentes. Um sobre o preço do veículo e o outro sobre o custo do automóvel. Há uma enorme diferença quando você fala do preço e quando se refere ao custo, porque o preço do automóvel tem o ICMS, o PIS/Cofins, IPI. Então quando você coloca um carro de R$ 10 mil de venda para o consumidor, ele na verdade, deixando a margem da empresa, ele sai por cerca de R$ 6 mil, sem as taxas. Digamos que os impostos de um automóvel sejam 8% de ICMS, mais 25% de IPI, mais 2% de Cofins. Isso dá cerca de 40% de impostos. São R$ 6 mil. Assim, se você calcula o peso da mão-de-obra sobre R$ 10 mil é uma coisa. Sobre R$ 6 mil é outra. Mas havia um outro problema, o Sindicato dos Metalúrgicos, e isso não era de má-fé, mas sim um processo de avaliação mesmo, considerava, por exemplo, somente o custo da mão-de-obra direta da montadora no automóvel, quando você tem de considerar a mão-de-obra embutida no custo da peça que a montadora compra. Cerca de 70% das partes de um automóvel são compradas fora. Este custo também deve entrar no cálculo.




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