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Leis relevantes viram letra morta na regiao
Danilo Angrimani
Da Redaçao
23/01/1999 | 19:05
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Leis consideradas relevantes pelo programa Raio X das Câmaras, aprovadas pelos vereadores e sancionadas pelos prefeitos, correm o risco de virar letra morta. As leis foram aprovadas no biênio 1997/98 e ainda nao fazem parte da realidade dos moradores do Grande ABC.

Por exemplo, um projeto de lei que proibia a utilizaçao de cerol ou linha cortante, de autoria do vereador Diniz Lopes (PL-Mauá), foi aprovado e se transformou na Lei 2.766/97. O objetivo do vereador era evitar casos de degola de motociclistas e outros problemas provocados pela linha cortante - que é feita com vidro moído e cola -, como o acidente ocorrido nesta semana em Santo André, matando um motoboy. Na prática, no entanto, a lei continua ignorada em Mauá, como se nunca tivesse existido.

Na cidade, existe até produçao e revenda doméstica de cerol. No Parque das Américas, nas proximidades da estaçao Guapituba, um metalúrgico desempregado vende cerol na porta de sua casa por R$ 0,50. Ele faz e vende o produto, que vem embalado em um frasco plástico de cerca de 100ml e só precisa ser passado na linha de empinar pipa.

O ex-metalúrgico da GM e da Cofap preferiu nao se identificar. Ele disse que nao sabia da existência da lei. "O cara (o vereador, autor da lei) quer fazer nome em cima do cerol. De que adianta proibir, se os moleques passam o cortante no meio da rua?"

O fabricante artesanal ressalvou que o dinheiro da venda da mistura de vidro e cola nao é suficiente para sustentar sua família (mulher e filhos). "Dependo de ajuda de parentes. O dinheiro que entra com o cerol é troco."

Troco ou nao, o fato é que o céu de Mauá costuma ser palco diário de combates de pipas. N.J., 9 anos, disse que costuma capturar até cinco pipas por semana, graças à linha cortante. "Todo mundo usa", ele contou, empinando uma pipa nas proximidades da avenida Capitao Joao, cruzada diariamente por centenas de motoqueiros.

Caes - O vereador Virgílio do Prado (PDT-Santo André) fez um projeto - aprovado e transformado em lei - que proíbe o adestramento de caes em praças públicas. Mas os caes continuam sendo treinados nos lugares de sempre, sem qualquer problema.

É o caso da praça 14 Bis, onde o treinador de caes Edson dos Santos Silva, 29 anos, trabalha diariamente. Silva instalou na praça barreiras e outros equipamentos utilizados no adestramento. Ele ficou sabendo da aprovaçao da lei pelo Diário e nao concorda com o vereador.

"Eu nao prejudico ninguém. Ao contrário. Várias pessoas param os carros e vêm até aqui com os filhos, para ver os cachorros sendo treinados", afirma Silva, um ex-bancário e ex-comerciário que passou a adestrar caes por falta de opçao no mercado de trabalho. "Se eu for notificado, vou procurar uma área particular para trabalhar."

Português - Preocupados com os erros de português em locais públicos de Rio Grande da Serra, os vereadores Edvaldo Guerra (PTB) e Valdir Marques (PSDB) fizeram um projeto que obriga toda publicidade a estar de acordo com as normas da língua portuguesa. O projeto se transformou na Lei 1.102/98, mas ainda nao desembarcou nas ruas da cidade.

A lanchonete Santa Tereza, no bairro de Santa Tereza, ostenta numa placa a informaçao de que naquele local "tenos paes e doces". A proprietária da lanchonete, Leonor Gonçalves, 49 anos, culpa o pintor, que errou ao escrever temos com n, mas faz disparos também em direçao aos parlamentares Guerra e Marques. "Eles deveriam se preocupar com problemas mais sérios, como assistência médica. A gente demora meses para marcar uma consulta no médico. Esse é o maior problema de Rio Grande da Serra e nao erro de português."

Na placa de uma lavanderia, no Centro, lê-se: "Washtec agora tras para você lavagem de edredons..." Tras, do verbo trazer, deveria ter sido escrito com z. A comerciante Agnes de Paula, 19 anos, nao sabia que a placa estava errada, nem tinha conhecimento da lei, mas assegurou que vai refazer a publicidade. "Nao é por causa dos vereadores, mas porque temos outros serviços para oferecer", afirmou.

Braile - O vereador Luiz Zacarias (PTB-Santo André) elaborou uma lei (7.547/97) que obriga a utilizaçao de cardápios em braile em bares, restaurantes e lanchonetes. Com exceçao das lojas McDonald's, que já ofereciam esse serviço a seus clientes portadores de deficiência visual, é quase impossível localizar um bar ou lanchonete de Santo André que tenha cardápio em braile.

Enio Bianchi, dono do Enio's Bar e 2º suplente de vereador pelo PTB, acha a lei importante, mas de difícil execuçao. "O Zacarias é meu amigo, mas é complicado essa lei pegar", revelou Enio, mostrando seu cardápio normal.

Embora tenha virado lei, o projeto de Zacarias nao foi regulamentado pelo prefeito.

Camisinha -Em Ribeirao Pires, o vereador Edson Savietto (PT) fez uma lei (4.164/98) obrigando os motéis a distribuírem preservativos a seus clientes. O Diário foi em dois motéis da rodovia Indio Tibiriçá e descobriu que a lei já vem sendo cumprida pelos estabelecimentos, ainda que de maneira indireta.

Valdevino Costa, 52 anos, proprietário do Motel Della Costa, disse que "ouviu alguma coisa", mas nao tinha conhecimento preciso da lei. "Nós damos o preservativo como brinde", contou.

No Motel Premier, a recepcionista Roseli de Souza, 26 anos, explicou que é norma do estabelecimento dar uma camisinha a cada cliente. "Nao é todo mundo que pega. Tem cliente que vem com a mulher e nao aceita."




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