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Obra de Henry Mancini, muito além da 'Pantera Cor de Rosa'
Do Diário do Grande ABC
25/06/1999 | 15:55
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Corre-se o risco de, numa loja de discos, nao se encontrar nada, na letra "h", de Henry Mancini - e achar uma porçao de antologias, a maior parte delas montada sem muito critério, na parte reservada à letra "p", de Pink Panther. O famoso tudum-tudum da famosíssima pantera foi ouvido pela primeira vez em 1964. O filme, de Blake Edwards, estrelado por Peter Sellers, contava a história do roubo de um muito valioso diamante; sua jaça sugeria a forma de uma pantera. Cor-de-rosa.

Quando Mancini ganhou o Oscar pela trilha sonora de "A Pantera Cor de Rosa", já havia feito uma série de trilhas para seriados de televisao e composto - ou feito arranjos para - 25 outras trilhas musicais para o cinema, entre elas as de "Bonequinha de Luxo", "Hatari!" e "Charada", para falar de três premiadas, de que saíram grandes sucessos: "Moon River", do primeiro; "O Passo do Elefantinho", do segundo; e "Charade", do filme dirigido por Stanley Donen, com Cary Grant Audrey Hepburn, Walter Matthau, James Coburn e George Kennedy. "Charade", de uma trilha mais bela e mais densa do que a da "Pantera", ganhou o Oscar de melhor cançao de 1963.

Henry Mancini foi o último grande compositor de Hollywood. Mas e John Williams?, pode alguém perguntar, por causa de "Guerra nas Estrelas", "E.T.", os Indiana Jones, sua intençao epifânica. Bom, é um outro conceito de música para cinema. Williams - e alguns outros, nenhum com sua ênfase grandiosa - compoe transcriçoes sonoras das imagens que o filme exibe, climas, sensaçoes, epopéias orquestrais (de fato, diluiçao da linguagem da música clássica do fim do século passado).

Mancini, extemporaneamente, foi um herdeiro de Porter, Gershwin, Berlin, dos autores dos grandes musicais do teatro e do cinema. Cada uma de suas trilhas é uma coleçao de cançoes lindíssimas, que nunca precisaram do filme para funcionar, como, voltando um pouco no tempo, você nao precisava da cena do bote com Bing Crosby para lembrar de e adorar "True Love".

Ao morrer, há exatos cinco anos, Hank estava em decadência, é verdade. Seus últimos trabalhos sao frágeis, alguns indefensáveis. Aliás, ele nao ganharia um Oscar de coerência, se existisse tal prêmio. Fez um monte de bobagens - entre elas assinar trilhas para as continuaçoes da "Pantera Cor-de-Rosa", contribuindo para a reduçao de que hoje é vítima (a propósito, a trilha mais fraca, mas nao tao fraca, de .... "Ataca Outra Vez", de 1976, acaba de ser importada para o mercado brasileiro pela Universal) - e, sim, cometeu a música de "Os Girassóis da Rússia", de 1970. Mas pouquíssimos sao perfeitos.

Seus direitos fonográficos estao um tanto distribuídos. E a memória, nao muito respeitada. Outra ediçao norte-americana, desta vez importada pela BMG, tem uma pantera na capa, as inevitáveis letras rosas de Pink Panther em primeiro plano e, em tipos bem menores, em azul, "Moon River", "Baby Elephant Walk". Mais abaixo, aquele vago "and other hits" por Henry Mancini e sua orquestra. Trata-se, na verdade, de pedacinhos das trilhas que contêm as cançoes.

Esquartejar uma trilha de Mancini para fazer um "melhor de..." é como recortar um poema de Elliot. Ou de Drummond. Se cada cançao funciona sozinha, duas cançoes de uma mesma trilha começam a definir um novo corpo, pois elas sao integradas; uma é inversao da outra, ou seu espelho, ou o desenvolvimento de uma de suas células melódicas, ou o desenvolvimento paralelo de determinada idéia executada pela trompa que faz contracanto no... questoes técnicas, uma vírgula. Questoes estéticas.

Exceçao à regra é o lançamento, desta vez nacional, pela BMG, do disco "Combo!", que Mancini gravou em 1962. Ele, que veio de big band e sempre usou big bands em suas trilhas, decidiu, entao, no auge do sucesso, fazer o seu disco de big band, interpretando nao só músicas próprias quanto clássicos do gênero como "Moanin', "Castle Rock", "Dream of You". Um discao.

Mancini morreu em 1994, de câncer. Tinha 70 anos e uma invejável coleçao de prêmios. Foi indicado para 18 Oscars. Ganhou quatro: melhor cançao, "Moon River", do filme "Bonequinha de Luxo", de 1961; melhor trilha sonora, para o mesmo filme; melhor cançao, "Days of Wine and Roses", para "Vício Maldito", de Blake Edwards, 1962; e melhor trilha, para "Vítor ou Vitória", do mesmo Edwards, 1982. A trilha é bonita, mas nao tanto. O prêmio pareceu homenagem. Pela contribuiçao prestada. Além disso, foi indicado para 70, isso mesmo, 70 Grammys. Ganhou 20. Por "Peter Gunn" e "Mr. Lucky", séries de televisao; por "Moon River", que recebeu Grammy de disco do ano, cançao do ano, melhor performance orquestral, melhor arranjo, melhor trilha sonora. "Days of Wine and Roses" também foi disco do ano, cançao do ano, arranjo do ano. "A Pantera" ficou com prêmio de composiçao instrumental, performance instrumental, arranjo instrumental.

Entre 1953, quando estreou como arranjador (em 1954 faria o arranjo orquestral de "Música e Lágrimas", a romantizada biografia de Glenn Miller, de cuja orquestra Mancini era egresso), ele fez música para quase 70 filmes e arranjos para outros 10. Sem falar nos 15 seriados televisivos que foram enriquecidos por seu gênio - até mesmo o" Acredite se Quiser", acredite se quiser - e mais seis longas-metragens televisivos.

Foi o único grande compositor de origem latina de Hollywood e sua música - principalmente sua invençao harmônica e seus arranjos orquestrais - foi influência decisiva na formaçao de boa parte dos melhores compositores, instrumentistas e arranjadores brasileiros, de Dori Caymmi a Edu Lobo, Joao Donato e Chiquinho de Morais. Sua herança, o que há disponível dela, está acondicionada na caixa "The Days of Wine and Roses", com três CDs, lançada há três anos pela BMG. Lá, no texto de encarte escrito pelo biógrafo do compositor, está escrito que foi só com a música de "A Marca Maldade", de Orson Welles, 1958, arranjos de Mancini, que surgiu o que hoje conhecemos - e nao existe mais - como trilha de cinema. Nao é tanto quanto se desejaria. Mas é o que se tem.




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