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Um fenômeno cheio de energia
Carlos E. Navia e Carlos R. A. Augusto*
23/11/2009 | 07:00
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Em 15 de março deste ano, um dos dois telescópios brasileiros Tupi - situado em um laboratório da UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói - registrou uma longa e luminosa explosão numa galáxia distante. Os pesquisadores observaram um excesso de múons (partículas eletricamente carregadas) originados na atmosfera por raios gama (fótons de alta energia) e interpretaram como o colapso de uma estrela que, ao "morrer", lançava no espaço radiação ultraenergética: as chamadas explosões de raios gama.

Embora esses eventos sejam corriqueiros no universo, houve algo de especial naquele domingo: o fato de as coordenadas dessa explosão terem sido pela primeira vez observadas em solo, para só depois serem confirmadas por satélites espaciais.

Até então, explosões de raios gama só eram detectadas por meio de satélites. A primeira vez que esse episódio aconteceu foi em 1967, durante a Guerra Fria, por meio de um projeto norte-americano destinado a detectar radiação gama e radiação X vindas de possíveis testes nucleares soviéticos - o que, segundo um tratado assinado por ambos os países, era proibido.

Detecção do solo - A descoberta, no entanto, não teve interesse militar, e os dados foram repassados a cientistas do Laboratório de Los Álamos (Estados Unidos). Foi assim que, em 1973, apareceu o primeiro artigo cientifico sobre uma explosão de raios gama.

Cálculos preveem que as explosões de raios gama poderiam ser até 1 bilhão de vezes mais energéticas do que as observadas por satélites.

A possibilidade de que os raios gama mais energéticos das explosões possam ser observados por detectores na superfície da Terra - de preferência em lugares altos (montanhas) - fez com que projetos de grande porte fossem planejados para isso. Infelizmente, os resultados, até agora, foram negativos.

Aqui entra o telescópio Tupi. Sua vantagem em relação a outros experimentos é sua localização: ele está na chamada Anomalia do Atlântico Sul, um "buraco" na magnetosfera onde a intensidade do campo magnético de nosso planeta é, pelo menos, três vezes menor. A condutividade elétrica das camadas atmosféricas é também maior nessa região. Isto permite que os múons originados pelos raios gama tenham uma penetração maior na atmosfera, atingindo o solo e facilitando a sua observação.

Raios gama são partículas de luz com energia ainda maior que a dos raios X. Ocupam o extremo mais energético do espectro eletromagnético, formado por ondas de rádios, micro-ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios X e raios gama.

Mais luminoso que uma galáxia
Na década de 1990, um detector (chamado Batse) do Observatório Compton de Raios Gama mostrou que as explosões de raios gama ocorrem de forma aleatória, tanto no espaço quanto no tempo, não havendo lugar privilegiado no céu. O modo homogêneo como essas explosões se distribuem no espaço é indício de que são de natureza extragaláctica.

Também se observou que aquelas de tipo longo acontecem na direção de galáxias. Isso significa que essas explosões teriam origem no colapso gravitacional (fenômeno conhecido como supernova) de uma das milhões de estrelas da galáxia hospedeira. Essa observação iniciou a conexão entre explosões de raios gama e supernovas. Por vezes, a luminosidade de uma explosão chega a ser maior do que a da galáxia que abriga a estrela moribunda.

Mas os dados levaram a algo inusitado: as explosões de raios gama são centenas de vezes mais luminosas que uma supernova. Esse fato levou à proposição do termo hipernova, que estaria ligado ao colapso gravitacional de estrelas supermassivas (cerca de 100 massas solares).

Todo esse conhecimento sobre as explosões de raios gama pode ser aprofundado a partir de sua detecção em solo. O Projeto Tupi, nesse sentido, pode contribuir bastante, pois tem obtido evidências experimentais de que as explosões de raios gama têm componentes de alta energia. Esse resultado certamente ajudará a propor melhores modelos teóricos sobre esses fenômenos extremamente energéticos. Os pesquisadores da UFF esperam detectar, em futuro breve, mais eventos desse tipo, uma vez que o projeto é aumentar o número de telescópios para dez.

* Do Instituto de Física, Universidade Federal Fluminense




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