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Sistema prisional ‘perfeito’, reincidência altíssima
Cláudia Fernandes
Do Diário do Grande ABC
06/01/2007 | 19:06
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Setenta por cento dos presos são jovens, negros e pobres. A reincidência ao crime dos que retornam à sociedade chega a 60%. Os números são familiares e não surpreendem os paulistanos. O que espanta é saber que os dados são dos Estados Unidos, país que tem um quarto de toda a população carcerária do mundo, 2,3 milhões de presos de um total de 300 milhões de habitantes.

No mês passado, o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, e o subprefeito da cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, foram os únicos brasileiros de uma comitiva formada por pessoas do mundo todo a visitar o sistema prisional de adultos e centros de reabilitação juvenis norte-americanos. Tudo pago pelo governo americano. Uma espécie de intercâmbio de informações.

A infra-estrutura dispendida para o trabalho com os internos descrita por Ariel de Castro é tão surpreendente quanto os números apresentados acima. Apenas em uma unidade de internação de adolescentes no Departamento de Reabilitação de Jovens de Washington, há 600 funcionários para monitorar 80 jovens.

Tanto nas unidades de adultos como na de menores, Ariel de Castro descreve a limpeza como impecável, o sistema de segurança inviolável e a alimentação acima da média. Há salas de informática com equipamentos modernos, bibliotecas e salas de cinema. Não existe pichação nas celas, que são bem pintadas. Para entrar no Presídio Federal de Chicago, a comitiva demorou 20 minutos na seleção. Primeiro deixaram os pertences em armários. Depois, foram obrigados a responder detalhado questionário explicando de onde eram, filiação, o que faziam etc. E, por último, tiveram seus nomes pesquisados. Só então passaram por detectores de metais e cruzaram os portões, onde funcionários são reconhecidos por sistema digitalizado.

Celulares não entram na cadeia. O sistema de monitoração por todos os cantos inibe a corrupção entre funcionários e detentos. Os que são pegos, são punidos. Na visita, agentes penitenciários do presídio de Chicago fazem questão de mostrar aos visitantes de outros países ex-funcionários corruptos presos em celas da penitenciária. Assim como ex-deputados exemplarmente punidos e levados à cadeia. A penitenciária funciona num prédio vertical, existe há 30 anos e nunca houve uma fuga ou rebelião, segundo o governo americano. O prédio fica em região central, ao lado de imóveis comerciais e residenciais sem incomodar os vizinhos.

Tudo aparentemente funciona muito bem. Há verba para acompanhamento dos internos e de suas famílias, que são assistidas freqüentemente por assistentes sociais. Se não têm emprego, os funcionários do governo oferecem capacitação profissional e recolocação no mercado de trabalho.

No entanto, o aparato não é suficiente para reduzir a criminalidade do país, nem mesmo diminuir a reincidência ao crime. Tanto lá como aqui no Brasil, o retorno à criminalidade entre adultos chega a 60%. No caso dos adolescentes, o índice é de 30% nos Estados Unidos e 40% no Brasil.

Os dois países têm perfil de prisioneiros semelhante. “Não são os meninos de rua que roubam. São os jovens de classe média baixa”, analisa Ariel de Castro quando fala em internação de menores. Ele diz que na América não se vê meninos trabalhando em semáforos. Crianças e pré-adolescentes são inseridos em milhares de programas sociais do governo. Na fase juvenil para adulta, quando pobres, negros e vítimas de preconceito, engordam os números da violência. Em geral, para saciar o consumismo daquela sociedade. O mesmo ocorre no Brasil. Esse, segundo Ariel de Castro, talvez, seja o principal motivo de a sociedade mais consumista do mundo ser recordista em prisões.

Outro motivo provavelmente está ligado à facilidade que eles têm em conseguir armamento, de forma legal ou no mercado negro. Além da oferta farta de drogas.

A comitiva visitou centros de reabilitação e penitenciárias em Washington, Columbia; Chicago, Illinois; Nova Orleans, na Louisiana; San Diego, Califórnia; e Nova York. Em nenhum encontrou deficiências de disciplina, organização ou segurança. O resultado do confinamento deveria ser a ressocialização do infrator à sociedade. O que historicamente não ocorre. “É uma prova de que a privação de liberdade não dá certo”, acredita Ariel de Castro.

O governo norte-americano estuda novos meios de punição que sejam mais eficazes e que reinsiram o infrator à sociedade de forma digna. Começou-se a pensar que tanto dinheiro gasto com internação esteja sendo jogado fora.

Em San Diego, a comitiva viu exemplo bem-sucedido no que se refere a ausência de fugas. A unidade, um antigo rancho na divisa com México, não tem muros nem grades. Os 150 garotos que vivem lá cometeram crimes menos graves e vivem uma rotina de atividades regradíssima e nunca tentam escapar. “Alguns até preferem estar lá do que em casa. Muitos são filhos de mexicanos que entraram clandestinamente no país”, diz Ariel de Castro.

Os profissionais que trabalham em San Diego são todos ex-militares. A disposição dos beliches nos quartos coletivos lembram a organização militar. Apesar da ordem imperar, 50% dos adolescentes que são liberados pela Justiça voltam a roubar ou cometer outros crimes nas ruas. Um termômetro de que o sistema por lá também pode estar falido.




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