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Rocco lança roteiro de "Shakespeare Apaixonado"
Do Diário do Grande ABC
26/03/1999 | 16:26
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Roteiros, disse o grande Michelangelo Antonioni, sao páginas mortas. Nao sao para ser lidos como peças literárias, mas transformados em imagens e sons. Mesmo assim, Alain Resnais incentivou Marguerite Duras a fazer literatura quando ela escrevia o roteiro de Hiroshima, Meu Amor e Paul Auster também gosta de acreditar que sua literatura persiste nos roteiros que escreveu para Cortina de Fumaça e Sem Fôlego. O roteiro de Shakespeare Apaixonado está saindo no País pela Rocco, na coleçao Artemídia. De autoria de Marc Norman e Tom Stoppard, ganhou o Oscar da categoria na madrugada de segunda-feira.

Boa parte da crítica concorda que o melhor do filme de John Madden é esse roteiro. Por bom que ele seja, é subestimar a contribuiçao do diretor. No cinema, como disse o respeitável crítico francês Michel Mourlet, Tout est dans la mise-en-scene. Shakespeare Apaixonado nao desmente a afirmaçao do crítico francês. Tudo começou quando o filho de Norman começou a estudar o bardo na escola e chegou em casa com uma pergunta nada ortodoxa: e se Shakespeare, ao descrever uma paixao tao avassaladora em Romeu e Julieta, estivesse, ele mesmo enlouquecido de amor? Norman, autor de diversos roteiros, embarcou na proposta, convidando Tom Stoppard para acompanhá-lo. Stoppard pode nao ser shakespeariano profissional, mas conhece o dramaturgo a ponto de haver escrito a peça e, depois, ter filmado Rosencrantz e Guildenstern Estao Mortos, desenvolvendo as façanhas dos dois personagens menores de Hamlet.

Ambos começaram a pesquisar e descobriram o óbvio. Ao mesmo tempo que sua obra é apreciada e ele chegou a ser considerado o autor do milênio, sabe-se pouco sobre a vida de Shakespeare. Norman e Stoppard resolveram preencher os vazios desta vida com as sugestoes contidas na obra. Biografaram Shakespeare por seus escritos, imaginando que ele teria vivido, na realidade, os incidentes que resultaram nao apenas na criaçao de Romeu e Julieta, mas também de outras famosas peças shakespearianas. O resultado é fascinante, mas também desperta polêmica.

Fantasia - Embora nao existam provas cabíveis, há quem considere Shakespeare homossexual e desautorize o filme como uma fantasia hetero. Afinal, poemas de Shakespeare foram escritos para rapazes. Basta lê-los para sacar. Talvez fosse bissexual. Foi um gênio, em todo caso. Falou com propriedade sobre todos os sentimentos e emoçoes humanas. Para usar uma frase atribuída à rainha Elizabeth I no filme, Entendeu a natureza do amor.

Falhas - A traduçao em geral tenta captar as nuances e sutilezas do original, mas falha fragorosamente naquela que resulta uma das melhores cenas do filme. Corroído pela culpa, julgando que Wessex, o pretendente de Viola, matou Marlowe pensando que era ele, Shakespeare apresenta-se como o assassino. É dissuadido por amigos, que esclarecem que Marlowe foi morto numa briga numa taverna. Marlowe era homossexual. O amigo diz que ele foi morto numa briga decorrente de um billy (que em inglês pode ter conotaçao sexual, sugerindo pênis). A traduçao elimina a complexidade dizendo que Marlowe foi morto por causa da conta (bill) da taberna.

Apesar desses problemas, é um dos raros roteiros que conseguem recriar o filme em suas páginas. Roteiro e filme acabado convidam o leitor/espectador a viajar no sonho. O encanto de Shakespeare Apaixonando, que só os pobres de espírito vao chamar de "chocho", está nessa capacidade infinita de fazer sonhar de olhos abertos.

Outro - O roteirto de A Vida é Bela está sendo lançado pela Companhia das Letras, com 208 páginas.




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